Ajuste fiscal para o Seu José

30 Out 2007
Durante uma das recentes viagens da governadora com os secretários para o interior do Estado, impressionou-me o discurso do presidente de uma associação empresarial. Iniciou elogiando as medidas de controle da despesa contidas no Plano de Recuperação para, em seguida, criticar fortemente as medidas de elevação de alíquotas do ICMS. Todavia, no trecho final do discurso, o presidente apresentou uma lista de demandas para a governadora: o hospital da comunidade, a estrada que liga o município às cidades vizinhas, o apoio à universidade local, mais efetivos para a segurança e melhor infra-estrutura para as escolas do Estado naquele município. Ao final do encontro com a comunidade local, um grupo de empresários pediu alguns minutos de atenção para suas reivindicações: mais repasse de créditos de exportação, novos incentivos fiscais e parcelamento dos débitos com ICMS.Enquanto nossa viagem pelo Interior continuava, em Porto Alegre diferentes grupos do funcionalismo público reclamavam do projeto que cria a Lei de Responsabilidade Estadual, porque vêem aí uma ameaça ao crescimento dos gastos com pessoal, que já consomem mais de 70% das receitas líquidas de um Estado que não tem recursos para investimentos mínimos. Nesse mesmo momento, manifestações do governo sobre a impossibilidade de implantação dos subsídios e de maiores salários agora para as chamadas carreiras de Estado são vistas como afronta ou desrespeito. Em alguns momentos, parece que a defesa do ajuste fiscal desagrada a todos.Por que, então, o governo não escolhe apenas corte de gastos ou aumento de receitas e elimina boa parte das críticas? Primeiro, porque não é factível. Não há corte de despesas possível que dê conta do tamanho do desequilíbrio fiscal (note-se que o governo já fez um corte de mais de R$ 300 milhões em custeio e praticamente zerou o investimento neste ano), como também não é viável equilibrar o orçamento apenas com elevação de alíquotas. Segundo e mais importante: porque não é justo. Se toda a sociedade será beneficiada no futuro com um Estado financeiramente equilibrado, então o esforço tem que ser compartilhado por um conjunto variado de grupos sociais.Esqueci de comentar a reação de alguns grupos? Certamente. Reações como as do Seu José ou da Dona Maria, que levantam às 5h em alguma vila sem água tratada, escola e segurança das nossas cidades para pegar dois ou três ônibus para uma longa e dura jornada de trabalho. Boa parte desses milhões de gaúchos provavelmente não tenha dinheiro para ler o jornal do dia. Talvez sequer saibam lê-lo. E, mesmo que soubessem, talvez isso não fosse fazer nenhuma diferença nas suas vidas, porque não há ninguém para reclamar ou ninguém que reclame por eles. Para alguns, o desequilíbrio fiscal significa gastar mais com escola particular, planos de saúde e segurança privada. Para o Seu José e Dona Maria, o desequilíbrio fiscal provavelmente signifique a certeza de que existirão mais dias iguais aos outros.AOD CUNHA DE MORAES JUNIOR | Secretário estadual da Fazenda