Procuradores querem isonomia com as categorias da Justiça
Gisele OrtolanO presidente da Associação dos Procuradores do Estado (Apergs), Miguel Arcanjo Costa da Rocha, fala nesta entrevista que um estudo realizado pela entidade aponta que a Constituição Federal estabelece que cada poder deve ter o teto de remuneração máxima de seu chefe. No Executivo, o valor seria de R$ 7 mil, remuneração do governador do Estado, e não de R$ 22 mil, conforme aplicado recentemente. Também relembra as negociações para o estabelecimento do subsídio aos procuradores do Estado. Diz que o foco principal da greve, encerrada no dia 13 de novembro, após a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa (CCJ) do parecer favorável do projeto que fixa o subsídio, foi a busca de um tratamento igualitário às demais carreiras da Justiça. O parecer do deputado Marquinho Lang (Democratas) foi aprovado com oito votos favoráveis e dois contrários. "Após essa conquista, o nosso projeto fica na mesma situação que os demais que tramitam na Assembléia Legislativa e que fixam os subsídios às outras carreiras. Esperamos que, ainda nesse ano, essa questão seja resolvida e se implemente o subsídio para todas as categorias", argumenta.Jornal do Comércio - Os procuradores do Estado reclamam um tratamento igualitário às demais carreiras jurídicas. Qual é a origem desta diferenciação e qual o papel do Executivo neste processo?Miguel Arcanjo Costa da Rocha - Em 1995, quando aconteceu a fixação da verba de representação para a magistratura e para o Ministério Público (MP), não houve a fixação da verba de representação para os procuradores do Estado. Os procuradores entendem que há discriminação e que o Executivo não está nos tratando igualitariamente. Existiu, por quase três décadas, uma equiparação entre a remuneração dos procuradores e dos magistrados do Ministério Público. Do início dos anos 70 até a metade dos 90, os valores eram os mesmos. A perda da paridade, da isonomia, aconteceu em 1995 com a lei estadual, que, na prática, foi quebrada em 1997 com a fixação da verba de representação para o Ministério Público, mas não para os procuradores. Desde aquela época, os procuradores se sentem discriminados. Hoje, esta discriminação acontece porque o Executivo não remete os projetos de lei para a fixação do subsídio dos procuradores, diferentemente do que ocorre em mais de um terço dos estados brasileiros onde os procuradores e os defensores têm o mesmo tratamento. No Rio Grande do Sul, nos quase 10 anos de vigência da emenda constitucional 19, o Estado não vem cumprindo essa determinação constitucional.JC - O senhor considera que a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do parecer favorável do deputado Marquinho Lang é um recuo do Executivo na tentativa de melhorar a imagem com os procuradores?Rocha - A aprovação foi um trabalho da Apergs junto aos deputados para demonstrar a eles a nossa importância, o nosso valor e o trabalho que fazem os procuradores, não só para o Executivo, mas para o Estado. Foi a forma de demonstrar, assim como aconteceu no ano passado, que é preciso um tratamento isonômico entre todas as funções de Justiça que ajudam o Rio Grande do Sul e a sociedade gaúcha a manter o Estado Democrático de Direito.JC - Qual será agora o trâmite do projeto? Já se fala em valores e data para implementação do subsídio?Rocha - Um passo de cada vez. Entendemos que houve uma diferenciação de tratamento. Antes de ser aprovado, o nosso projeto teve um parecer contrário para que não fosse adiante. Agora que conseguimos atravessar esta fase, ele irá para a próxima comissão, que provavelmente será a de Serviços Públicos. O mérito do projeto só será analisado em plenário, ocasião em que também serão examinados a data e os valores para a implementação do subsídio. Seria precipitado fazer agora uma negociação em termos de valores e sobre a data da implementação. JC - Qual a sua avaliação sobre o relatório contrário apresentado pelo deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB), na CCJ, e que foi rejeitado por oito votos a três?Rocha - Houve interferência do governo, principalmente do deputado Nelson Marchezan Júnior, que é do mesmo partido da governadora. Isso aconteceu apesar de o Executivo ter definido que não interferiria. Marchezan Júnior trabalha na posição de deputado de governo dentro da CCJ. Deduzimos que a ação do deputado foi por orientação do governo. Por quatro vezes ele entendeu o nosso projeto diferentemente. O deputado chegou a entregar na comissão um parecer favorável e, na semana seguinte, apresentou um parecer diferente ao nosso projeto que só conseguimos derrubar com a ajuda de outros deputados.JC - Com quem no Executivo foi feita a interlocução sobre o projeto?Rocha - Politicamente, tratamos com quem deve ser o interlocutor do governo do Estado junto à Assembléia Legislativa, o chefe da Casa Civil, Luiz Fernando Záchia. De acordo com ele, não haveria, no primeiro momento, uma interferência do governo na Comissão de Constituição e Justiça. Mas, essa interferência acabou acontecendo.JC - E quanto à justificativa de que a implementação do subsídio provocaria um efeito cascata? Rocha - Não há o efeito cascata. O que existe é uma pressão forte das carreiras do Executivo para que o subsídio dos procuradores não seja aprovado. Os procuradores do Estado, assim como a Defensoria, o Ministério Público e a magistratura, têm tetos diferenciados dos do Executivo. O que determina a obrigatoriedade do subsídio para as funções de Justiça e de alguns agentes políticos é o artigo 39, parágrafo 4º. E o parágrafo 8º do mesmo artigo da Constituição Federal estabelece o teto dos demais servidores. Enquanto para nós ele é obrigatório, para os outros é facultativo. Dessa forma, não haveria efeito cascata nenhum, pois o teto é diferenciado. Há a obrigatoriedade para os procuradores, mas não há obrigatoriedade para os demais servidores. Além disso, há previsão para isso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em anexo próprio, tanto no ano de 2007, como no ano de 2008. Na lei orçamentária também consta, para este ano e para o próximo, a fixação do subsídio. O orçamento vem sendo aumentado desde o ano passado para absorver esse impacto, embora não esteja especificado que são valores para o subsídio, pois a proposta não foi votada na Assembléia Legislativa. Entretanto, há uma alteração de R$ 67 milhões destinados à Procuradoria no ano passado, para R$ 91 milhões para 2008. Os servidores, os procuradores e inativos não entram no orçamento da Procuradoria, mas no orçamento do Estado, do poder Executivo, junto com os demais, como os juízes. Temos autonomia orçamentária e funcional, não temos é autonomia financeira, ao contrário dos demais poderes, como alguns órgãos do Ministério Público e da Defensoria, que têm esta autonomia conforme determinação da Constituição Federal.JC - E qual é a situação dos projetos que fixam o subsídio para as demais carreiras?Rocha - No início deste mês, o projeto que fixa o subsídio foi distribuído na Comissão de Serviços Públicos. O relator para o Judiciário e para o MP será o deputado Francisco Appio (PP), e para a defensoria será a deputada Kelly Moraes (PTB). Estes projetos podem ir a plenário a qualquer momento porque, pelo regimento da Assembléia, só é obrigatório passar pela Comissão de Constituição e Justiça, e lá eles já foram aprovados no ano passado. Em 2007, interpretando a Constituição Estadual e a Constituição Federal, procuramos, através do deputado Vieira da Cunha (PDT), encaminhar o projeto de lei fixando subsídio do procurador-geral do Estado, suprindo a inércia do Executivo. Foi inserida neste projeto de lei a previsão de fixação de subsídio no mesmo teto que os demais projetos que estão tramitando na Assembléia Legislativa para não haver discriminação. O índice é de 90,25% dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse patamar seria para, em primeiro lugar, não haver discriminação entre as carreiras, ou seja, pela isonomia já que o artigo 37, inciso 11º da Constituição, estabelece que os procuradores, assim como os defensores e os membros do Ministério Público, estão no mesmo teto da magistratura.JC - A questão do limite para o teto salarial é controversa. Como os procuradores analisam esta questão?Rocha - Houve em 2003 a emenda constitucional nº40, do então deputado Jair Soares (PP), prevendo que no Estado seria o inverso do que determina a Constituição Federal, na qual cada poder estabelece seu teto de remuneração com o limite de 90,25%. Na emenda do deputado é formalizado que, para todos os poderes, inclusive para o Legislativo e para o Judiciário, o servidor ou membro do poder receberia, no máximo, 90,25% dos valores do STF. Isso não foi feito até o momento, nunca se cortou o teto. No mês passado, por orientação da Secretaria da Fazenda, foram cortados os vencimentos de 34 servidores do Executivo, a maioria inativos, que recebiam acima de R$ 22.111,25. Mas, desde 2006, era para que os que ganhavam acima de R$ 22 mil fossem cortados. Estamos examinando para saber se, com os dispositivos constitucionais estaduais e com o dispositivo federal, o teto remuneratório de R$ 22 mil está correto. Ainda há o agravante de não ter sido observado o princípio do contraditório. Ou seja, se está correto o corte neste valor ou se deveria ser limitado pela referência do atual vencimento da governadora Yeda Crusius que é R$ 7 mil. Então, o corte seria muito maior. Pelos estudos preliminares que fizemos na associação, a emenda do deputado Jair Soares na Constituição Estadual é anterior à alteração que houve na Constituição Federal. Por isso, o que vale é a Constituição Federal, que estabelece que cada poder deve ter no chefe máximo do poder um teto de remuneração, portanto, no valor de R$ 7 mil e não R$ 22 mil. O teto está previsto desde a Lei de Diretrizes Orçamentária do ano passado. Também foi um dos pontos defendidos no Pacto pelo Rio Grande, que pregava que os poderes deveriam estabelecer os cortes no teto. Mas, isso não foi observado em nenhum deles. A Assembléia Legislativa teve a iniciativa de determinar o corte, mas isso acabou não acontecendo na prática. Foi iniciativa de uma comissão dos procuradores examinar a fundo a questão do teto e, no Executivo, não foi observada a orientação da Procuradoria que era para fazer os cortes. O caso dos vencimentos que foram cortados pela Secretaria da Fazenda usurpa a competência da Procuradoria-geral do Estado, que tem o dever e a atribuição constitucional de assessoramento ao Executivo. JC - E, como o senhor analisa o plano fiscal que foi proposto pela governadora Yeda Crusius e derrotado na Assembléia Legislativa?Rocha - É uma questão que, certamente, merecia um debate mais amplo. A governadora tentou uma solução antiga, que é o aumento dos impostos, para a crise financeira do Estado. Não havia nada de novo nesse pacote, pelo contrário. A solução é sempre gestada no Executivo, na Secretaria da Fazenda. Vários secretários erraram na condução das políticas econômicas e fiscais do Estado. A Procuradoria, neste aspecto, poderia ter contribuído muito. A verdade é que precisa-se discutir muitos aspectos administrativos. Por exemplo, fala-se da necessidade de fazer o combate à sonegação. Mas, quantos agentes fiscais estão fora de suas atividades? O Estado poderia ter sido mais agressivo, por exemplo, na questão da renúncia, do imposto presumido e dos incentivos fiscais, ao invés de só ter proposto o aumento de impostos. É noticiado que o Estado estaria acima do limite comprometendo 72% da receita corrente líquida em gastos com pessoal. Se olharmos o balanço-geral do ano passado, esse comprometimento era de 54%. Então, qual é o índice real? Quais são os critérios utilizados? Outra questão é que a própria Constituição determina o corte de 20% dos Cargos em Comissão (CCs), além de proibir novas nomeações. JC - Como o senhor explica as conseqüências do movimento grevista, como a interrupção da arrecadação, gerando prejuízos aos cofres públicos?Rocha - A greve começou no dia 29 de outubro e se estendeu, com a paralisação de várias atividades, especialmente na área da arrecadação, até o dia 13 de novembro, quando o parecer foi aprovado na CCJ. Por isso, há a questão do prejuízo. Em média arrecadamos anualmente, em termos de dívida ativa judicial, de R$ 150 milhões a R$ 200 milhões. Isso dividido por 12 meses resulta, mais ou menos, em R$ 15 milhões a R$ 20 milhões mensais de prejuízo direto aos cofres públicos. Nosso objetivo, no entanto, não é provocar perdas com a greve. Queremos, sim, defender os nossos interesses e chamar a atenção do Executivo para a importância dos procuradores. Parece que nos últimos 10 anos, houve uma análise equivocada da contribuição real e efetiva dos procuradores. Temos muitos projetos importantes, como o Conciliar Legal, que permite a arrecadação antes que se ingresse com o processo judiciário. Só com este projeto, em Porto Alegre e em algumas regionais do interior do Estado, de agosto a outubro deste ano, foram arrecadados mais de R$ 10 milhões, além dos R$ 15 milhões da dívida ativa. Além disso, dados de 2005 do governo do Estado mostram que a ação dos procuradores representou uma economia de R$ 1 bilhão em termos de arrecadação. Esse valor se refere a projetos judiciais contra o Estado nos quais ele deixou de desembolsar. Além da questão da arrecadação, no Rio Grande do Sul, a Procuradoria é um dos poucos órgãos que consegue se pagar, sendo que, em 2005, arrecadou para o Estado R$ 264 milhões, o que significa um volume cinco ou seis vezes maior em relação ao seu próprio orçamento.JC - Os procuradores do Rio Grande do Sul se sentem prejudicados por estarem impossibilitados legalmente de atuar na atividade privada?Rocha - Na maioria dos estados, os procuradores, durante a atividade, podem advogar. Desde a década de 70, temos o mesmo tratamento que a magistratura do MP, não só no bônus, com a remuneração igualitária, mas no ônus. Assim como no MP, a Defensoria e a magistratura não podem exercer advocacia privada. Mas, a principal luta dos procuradores é a implementação do subsídio, e não tem se falado na questão da advocacia privada.