Mantega demite auditores acusados de vender leis para favorecer empresas
Fonte Revista Época Online: 21/05/2008 - 19:16 | Edição nº 522 http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG83811-5856-522,00-
MANTEGA+DEMITE+AUDITORES+ACUSADOS+DE+VENDER+LEIS+PARA+
FAVORECER+EMPRESAS.html Mantega demite auditores acusados de vender leis para favorecer empresas Sandro Martins e Paulo Baltazar eram acusados de mudar a legislação tributária para livrar grandes empresas de multas da Receita Federal. Segundo investigações, empresas assessoradas pelos fiscais deixaram de pagar R$ 3 bilhões ao Estado. O esquema foi revelado por reportagem de ÉPOCA em 2003 David Friedlander e Wálter Nunes Comente a matéria Leia os comentários Envie a um amigo Imprimir O ministro da Fazenda, Guido Mantega, demitiu nesta quarta-feira (21) os auditores fiscais Sandro Martins Silva e Paulo Baltazar Carneiro por prática de improbidade administrativa. A punição foi publicada no Diário Oficial da União. Homens de confiança do ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel e próximos do atual secretário, Jorge Rachid, Sandro e Paulo foram acusados de ter montado um esquema de corrupção que durante anos atuou na Receita. Segundo investigações da corregedoria da Receita e do Ministério Público Federal (que também investigou a dupla), Sandro e Paulo vendiam mudanças na lei e assessoria tributária para grandes empresas em litígio com o fisco. Graças ao trabalho de Paulo e Sandro, grandes empresas como a empreiteira OAS, a montadora Fiat e a rede de lanchonetes McDonald´s, todas autuadas por sonegação fiscal, deixaram de pagar cerca de R$ 3 bilhões ao governo em multas e impostos nos últimos anos. Por esses trabalhos, Paulo e Sandro faturaram cerca de R$ 30 milhões em apenas cinco anos, de acordo com os cálculos mais recentes do MP. Os dois auditores fiscais começaram a ser investigados pela corregedoria da Receita Federal no começo de 2003 depois de uma reportagem na qual ÉPOCA revelava que, anos antes, Sandro e Paulo tinham trabalhado num processo em que a empreiteira OAS fora autuada pela Receita em mais de R$ 1 bilhão. O detalhe é que, apesar de serem auditores fiscais, eles atuaram na defesa da OAS. Resultado: a autuação da empreiteira caiu de R$ 1 bilhão para cerca de R$ 25 milhões. Sandro e Paulo receberam R$ 18,3 milhões pelo serviço de consultoria. Da equipe que havia aplicado o auto bilionário à OAS fazia parte o secretário Jorge Rachid, então auditor fiscal em Salvador. Hoje, Sandro e Paulo respondem a mais de dez processos na Justiça por improbidade administrativa. A investigação sobre Paulo e Sandro deixou traumas na Receita. Os primeiros a investigar a dupla foram Moacir Leão, então corregedor-geral da Receita, e Deomar Vasconcelos, na época chefe do Serviço de Inteligência da Receita. Deomar foi afastado do cargo depois que sua equipe descobriu um apartamento e contas bancárias que Sandro tinha em Paris. Moacir Leão não teve o mandato de corregedor renovado e foi trabalhar na alfândega de Porto Alegre. Considerados dois dos funcionários mais gabaritados dos quadros da Receita, nos anos 90 Paulo e Sandro abriram um escritório de assessoria tributária. Em pouco tempo ganharam fama de consultores imbatíveis em processos contra a Receita Federal. O problema, descobriu-se anos mais tarde, é que eles atuavam dos dois lados do balcão. Para implantar seu esquema, segundo as investigações, Paulo e Sandro arrumaram um jeito de ficar sempre com um pé na Receita e outro em seus negócios privados. Funcionava assim: aposentado, Paulo volta e meia retornava à Receita para ocupar cargos importantes. Na gestão de Everardo Maciel, ele foi secretário-adjunto, segundo posto mais importante da instituição. Sandro, até ontem ainda funcionário da Receita, estava afastado de suas funções por determinação da Justiça. Ex-assessor de Everardo e do secretário Jorge Rachid, Sandro pedia licença temporária e não-remunerada para tratar de problemas pessoais - e virava consultor de empresas. Fez isso várias vezes. Por causa desse entra-e-sai, os dois passaram a ser chamados de anfíbios - animais que podem viver tanto em terra como na água. O advogado de Paulo e Sandro, José Eduardo Alckmin, não vê conflito na atuação de seus clientes. "O Paulo é aposentado e pode prestar consultoria. O que se discute é se o Sandro, como funcionário público, pode prestar consultoria. Eu não vejo problemas: ele estava de licença não-remunerada", disse Alckmin a ÉPOCA, meses atrás. "Eles nunca traficaram influência. Era apenas trabalho de consultoria. Não há provas de que eles interferiam diretamente dentro da Receita". Nas denúncias que o Ministério Público Federal encaminhou à Justiça, os procuradores da República Valquíria Quixadá e Lauro Pinto Cardoso contam que encontraram depósitos milionários de grandes empresas na conta bancária do escritório de consultoria de Paulo e Sandro. Em mais de um caso, as mesmas empresas que depositaram o dinheiro tinham sido supostamente favorecidas por mudanças na legislação tributária. De acordo com o MP, Paulo e Sandro agiram diretamente em uma dessas mudanças. Foi na edição do Parecer Normativo 02/96. Assinado por Paulo e Sandro enquanto eles exerciam cargos importantes na Receita, esse parecer foi usado pela empreiteira OAS naquela defesa que derrubou a autuação contra a empresa de R$ 1 bilhão para cerca de R$ 25 milhões e Sandro e Paulo receberam R$ 18,3 milhões da OAS por serviços de consultoria. Em outro caso, a mudança na legislação estava prevista em contrato. Quando a corregedoria da Receita começou a investigar as relações do escritório de Sandro e Paulo com o McDonald´s, os advogados da própria rede de lanchonetes entregaram aos investigadores um documento atestando que ela havia encomendado uma "aprovação da dedutibilidade dos royalties". Em linguagem mais simples: o McDonald´s queria que a Receita permitisse que eles abatessem do imposto de renda o equivalente a 5% do que pagavam de royalties à matriz. Na época, os fiscais da receita entendiam que o desconto máximo era de 1%. Essa mudança serviria de base, segundo o documento, para a defesa contra uma multa de R$ 70 milhões que o McDonald´s recebera da Receita. A mudança realmente saiu e dez dias depois de sua publicação no Diário Oficial, Paulo e Sandro receberam R$ 1,5 milhão pelo serviço. Amigos inseparáveis desde o começo dos anos 90, Paulo e Sandro são muito diferentes. Calado, discreto, sorriso o tempo todo no rosto, Paulo é o mineiro típico. Não gosta de ostentação e investe grande parte do que ganha em imóveis. Anos atrás, de acordo com um levantamento da própria Receita, ele era um dos dez maiores proprietários de imóveis de Brasília. O carioca Sandro é o oposto. Seus amigos contam que ele é um sujeito falante e que gosta de se exibir. Mora num luxuoso apartamento dúplex na Asa Sul, região nobre de Brasília. Nas horas de folga, veste calção e camiseta regata e vai para sua academia - a mais moderna de Brasília e que não fica nada a dever às maiores redes de academia do país. Em parceira com Paulo, ele foi sócio da churrascaria Porcão, um dos principais pontos de encontro de políticos na capital. Segundo acusações do Ministério Público, desde que as investigações começaram, Paulo e Sandro estão dilapidando seu patrimônio. A prosperidade de Sandro surpreendeu até mesmo sua ex-mulher, Tereza Cristina Rangel. Em depoimento ao Ministério Público, Tereza afirmou não ter percebido o enriquecimento de Sandro enquanto estiveram casados, até 1994. O primeiro sinal da riqueza do ex-marido surgiu logo após a separação e foi revelado pela filha mais velha, Ana Cláudia. De acordo com o depoimento, Ana Cláudia estava com casamento marcado e Sandro iria presenteá-la com um apartamento. Segundo Tereza, a filha teria procurado apartamentos de valores modestos, pensando ser mais adequado à renda do pai. Mas Sandro sugeriu um imóvel bem mais caro e mostrou à filha uma mala cheia de dinheiro. Nela havia o suficiente para comprar um imóvel de bom padrão à vista. Tereza declarou também que anos mais tarde ficou sabendo, por meio de um corretor que administra os imóveis de Sandro, que o ex-marido tinha três apartamentos em Copacabana, no Rio de Janeiro, e um outro apartamento em Brasília estimado em R$ 1,5 milhão, onde guarda obras de arte. Sobre um apartamento que Sandro tem em Paris, ela só ficou sabendo ao ler uma reportagem de ÉPOCA publicada em 2003. Tereza admite no depoimento que não tem relações amistosas com o ex-marido. O ex-secretário Everardo Maciel foi muito criticado quando os escolheu para ocupar cargos de confiança da instituição, em 1994. Naquela ocasião, Paulo já estava aposentado, Sandro estava em licença e sabia-se que estavam assessorando empresas com problemas com a Receita. Os sindicatos dos auditores fiscais e alguns parlamentares diziam que era arriscado colocar em cargos-chave da instituição pessoas que tinham trabalhado como consultores privados. O deputado federal Ivan Valente, na época no PT e hojer PSOL, enviou um ofício a Everardo questionando isso. "Se os representados Paulo e Sandro, o primeiro exercendo cargo de confiança na Receita e o segundo sendo fiscal da Receita Federal, mantêm empresa de consultoria a grupos econômicos e empresas que a Receita Federal deve fiscalizar, eles estão cometendo uma série de irregularidades, entre elas citamos a advocacia administrativa e a violação do sigilo funcional", diz o documento. Por manter Paulo e Sandro dentro da Receita mesmo sabendo de seus negócios privados, hoje Everardo responde a um processo na Justiça por improbidade adminsitrativa. Ele é acusado de permitir que Paulo e Sandro atuassem para o setor privado contra a Receita. Fotos: Ag.Estado e Época