Caso Cacciola: Vice-presidente do STF acreditava na eficiência da polícia; o retorno à prisão e a íntegra da decisão do Min. Marco Aurélio (2000)

17 Jul 2008
Ao mandar soltar Cacciola, vice-presidente do STF acreditava na eficiência da políciaA decisão do ministro Marco Aurélio Mello ao - em 14 de julho de 2000 - dar autorização para que Salvatore Cacciola fosse solto e aguardasse o julgamento em liberdade é longa.Em primeiro lugar, o então vice-presidente do STF observou "a importância da ação constitucional de habeas corpus, ligada a um dos principais direitos do homem, que é o direito à liberdade". Em seguida, o ministro considerou que "a prestação de contas à Justiça, sem a evidência de uma periculosidade maior, faz-se processo a processo, não cabendo adotar esdrúxula reciprocidade, isso considerada a preventiva". Por último, no tocante à possibilidade de Cacciola deixar o Brasil e fugar, o ministro avaliou que "qualquer acusado pode evadir-se, pode deixar o distrito da culpa, arcando com as conseqüências próprias". Mesmo considerando que o banqueiro é de nacionalidade italiana, sendo naturalizado brasileiro, o ministro Mello levou em consideração que "o paciente possui raízes no País, para aqui tendo vindo em tenra idade e se estabelecido, constituindo família e se projetando no campo profissional escolhido".Num ponto da avaliação, Mello - como qualquer humano falível - equivocou-se. Depois de admitir "o receio de viagem sem volta ao exterior - já que a Itália, tal como o Brasil, de regra não agasalha extradição de nacional" - o vice-presidente do Supremo estimou que tal risco "pode ser neutralizado por outros meios, notando-se a eficiência de nossa Polícia de Portos".Na prática, ninguém sabe, ninguém viu, por onde Cacciola saiu. Porque o então presidente do STF tentou devolver Cacciola à prisãoCinco dias depois da ordem para colocar Cacciola em liberdade, o próprio STF determinou que o banqueiro voltasse à prisão. A decisão foi do efetivo presidente da corte, ministro Carlos Velloso que, na véspera, voltara de suas fériasEm 18 de julho de 2000 o presidente teve "concluso" em seu gabinete um pedido de reconsideração firmado pelo então procurador-geral da Repúvluca, Geraldo Brindeiro.O requerimento destacou, já no intróito, que "a decisão em apreço suprimiu instâncias na medida em que o mérito da ordem de habeas corpus sequer foi apreciado pelo T.R.F. da 2ª Região".Velloso considerou especialmente a decisão de primeiro grau - do juiz Abel Fernandes Gomes, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro: "a magnitude da lesão ocorreu num cenário sócio-econômico em que se impõe toda sorte de sacrifícios à esmagadora maioria da população brasileira, com todo tipo de privações, carências, perdas, opressões e desalento, ao passo que se concebe a utilização de vasta quantia de dinheiro público para salvar instituições financeiras que operavam de forma temerária e fraudulenta e sem razões legais e concretas para fazê-loÍNTEGRA DA DECISÃO QUE MANDOU SOLTAR CACCIOLA “Imprensa não é justiça. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz. Nem editor é desembargador”.DECISÃO - LIMINAR HABEAS CORPUS - ATO INDEFERITÓRIO DE LIMINAR EM IDÊNTICA MEDIDA - ADMISSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. PRISÃO PREVENTIVA - EXCEPCIONALIDADE E COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL NÃO VERIFICADAS - LIMINAR DEFERIDA. 1. Os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro, Camila Lafetá Sesana e José Carlos Fragoso impetram este habeas corpus em benefício de Salvatore Alberto Cacciola. Com a inicial de folha 2 à 66, noticiam a tramitação do processo revelador de ação penal proposta contra o Paciente.Sustentam que alguns incidentes obstaculizaram o processamento de documentos coligidos, ficando prejudicado o exercício do direito de defesa. O Juízo Federal da 6ª Vara Criminal do Rio de Janeiro veio a decretar a prisão preventiva, mantendo-a quando da audição do acusado. Apontam como ato de constrangimento o praticado no campo da apreciação de medida acauteladora pelo Relator do Habeas Corpus nº 13.349, impetrado no Superior Tribunal de Justiça. Ter-se-ia assentado, como jurisprudência predominante no Tribunal, o não-cabimento de habeas corpus contra decisão indeferitória de liminar em idêntica medida, ressalvadas as situações extravagantes de manifesta ilegalidade. A seguir, concluíra-se restar fundamentada a decisão mediante a qual fora decretada a prisão preventiva do Paciente, aludindo-se ao artigo 30 da Lei nº 7.492/86, segundo o qual a custódia preventiva pode ser implementada em razão da magnitude da lesão causada. O autor do ato impugnado remetera ao que consignado pelo Juízo: Sob este prisma, a magnitude da lesão é mais um dos elementos que servem à delimitação do conteúdo da ordem pública abalada e que se pretende resguardar, já que ocorreu num cenário sócio-econômico que impõe toda sorte de sacrifícios à esmagadora maioria da população brasileira, com todo tipo de privações, carências, perdas, opressões e desalento, ao passo que se concede a utilização de vasta quantia de dinheiro para salvar instituições financeiras que operavam de forma temerária e fraudulenta e sem razões legais e concretas para fazê-lo. Não bastasse a gravidade concreta do fato, com repercussão extremamente negativa à ordem pública, em duas situações específicas, as dos denunciados SALVATORE e LUIZ AUGUSTO, ainda se apurou (sic) outros elementos importantes que mais acentuam a necessidade da medida extrema. (...) Ao que se tem, não se oferecendo, de plano, na evidência necessária, os pressupostos da medida liminar, fica indeferido o pedido de sua concessão. São os seguintes os motivos evocados para indeferir-se o pedido de liberdade do Paciente: a - haver indícios da existência de crime; b - haver indícios suficientes da autoria; c - para garantir a ordem pública; d - para a conveniência da instrução criminal; e - pela magnitude da lesão causada. Afirmam os Impetrantes que tanto a Relatora do habeas no Tribunal Regional Federal quanto o Relator da medida formalizada no Superior Tribunal de Justiça incorporaram o raciocínio expendido no decreto de prisão, cujo autor lançara conceito próprio de ordem pública, assentando-o variável no tempo e no espaço, devendo ser considerado no contexto em que o julgador é obrigado a com ele deparar, sendo certo que a sociedade evolui no sentido de abandonar alguns critérios e optar por outros. O ato da Relatora no Tribunal Regional Federal estaria a denotar preocupação com a distribuição de rendas, não se mostrando alicerçado na ordem jurídica. A Juíza teria deixado registrado: (...) não vejo como atentatório à ordem pública (sic) a prisão de um dos principais prováveis componentes de um complô entre autoridades e particulares que lesaram os cofres em um bilhão e meio de reais. Se a riqueza dos ricos, mesmo a obtida por meios lícitos, está ofendendo a penúria dos pobres, quanto mais aquela proveniente do ilícito, praticado com a conivência daqueles que deveriam zelar pela coisa pública. Antigamente, a corrupção e a safadeza ficavam escondidas. Hoje, a mídia satura nossos lares com um rol de atrocidades que está tirando qualquer esperança do povo, e a reação de um povo desesperançado pode ser imprevisível, e altamente comprometedor (sic) da ordem pública. Na longa inicial, os Impetrantes procuram demonstrar visão distorcida quanto ao episódio dos bancos Marka e Fonte-Cindam, ponderando que há de aguardar-se a tramitação do processo criminal, a elucidação dos fatos, a definição, se existente, de possíveis culpados, não se podendo punir na fase processual, sob pena de olvidar-se o princípio da não-culpabilidade. Argúem a extravagância da norma inserta na Lei nº 7.492/86, no que preceitua a valia da magnitude da lesão causada para efeito de, imediatamente, decretar-se a prisão preventiva. Considerada a prática, a envolver altos valores no mercado de capitais, ter-se-ia sempre, uma vez presentes indícios conducentes à conclusão sobre a tipologia penal, a prisão preventiva, que, assim, passaria a ser obrigatória. Em verdadeiro arroubo de argumentação, sem pretender sinalizar quanto a esse objetivo, indagam a razão pela qual os demais implicados no episódio, inclusive servidores do Banco Central do Brasil que autorizaram a operação, não tiveram a prisão preventiva decretada, a começar pelo Presidente daquela instituição, à época o Senhor Francisco Lopes. Discorrem sobre a prática da banda cambial em vigor na data em que implementada a operação, aduzindo que os dados levantados mediante interceptações telefônicas não se mostram idôneos. A prova estaria contaminada pela ilicitude, tendo em conta o extravasamento do prazo assinado em lei - artigo 5º da Lei nº 9.296/96 - para a feitura da escuta. Prorrogado sucessivamente, a projeção no tempo da escuta alcançara cerca de seis meses. Citam os Impetrantes a melhor doutrina - Luiz Flávio Gomes. Mencionam Cesare Beccaria, em “Dos Delitos e das Penas”, sobre os papéis a serem desempenhados pelo juiz e pelo legislador, inconfundíveis, em face da separação dos Poderes. Interpretara-se, de forma distorcida, certo diálogo mantido pelo Paciente, afigurando-se o decreto de prisão insubsistente, no que tomadas de empréstimo simples suposições. Em decisão datada de 21 de junho de 2000, o próprio Juízo restringira os fundamentos da preventiva, remetendo o exame de possível influência do Paciente junto a certas testemunhas para a oportunidade da oitiva destas. Daí por que mais uma vez calcara-se a prisão na magnitude da lesão com reflexos na ordem pública, cogitando-se da possibilidade de, ante aspectos levantados na interceptação, o Paciente haver praticado outros crimes. O decreto de prisão não estaria esteado em fatos concretos capazes de respaldá-lo. Para concluir, os Impetrantes citam a Relatora do habeas corpus impetrado junto ao Tribunal Regional Federal - “o Direito foi feito para proteger os cidadãos e não para garantir a impunidade” - e defendem a tese de que o fato de o Paciente responder ao processo criminal em liberdade não atrai esta última, mas preserva direito assegurado constitucionalmente. Sobre a prova ilícita, transcrevem o voto do Ministro Celso de Mello na Ação Penal nº 307, quando Sua Excelência proclamou: (...) a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada - e repudiada sempre - pelos juízes e tribunais, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade ... (Ada Pellegrini Grinover, op. cit, pag. 62, 1990, Forense Universitária) ... (folha 62). O pedido de concessão de medida acauteladora diz respeito à imediata libertação do Paciente, resguardando-se, com a concessão final deste habeas, o estado de liberdade até o julgamento de idêntica medida impetrada perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, o Habeas Corpus nº 2000.02.01.0357605, que deverá ser apreciado na reabertura do segundo semestre judiciário de 2000. À inicial, juntaram-se os documentos de folha 7 à 383. Recebi estes autos em 11 de julho último, não tendo sido possível examiná-los de imediato ante o grande número de processos com pedido de concessão de liminar, cuidando, também, do exercício do direito à liberdade. 2. Em primeiro lugar, observe-se a importância da ação constitucional de habeas corpus. Está ligada a um dos principais direitos do homem, que é o direito à liberdade. Surge adequada, independentemente da qualificação do órgão apontado como autor da constrição ilegal, “ sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal). Por isso mesmo, tenho sustentado não sofrer a medida qualquer peia. É imune à importância, como já salientado, do órgão que haja praticado o ato; não é alcançada pela preclusão maior; pode e deve ser manuseada por qualquer cidadão que tenha conhecimento de estar um semelhante a suportar conseqüências de um ato ilegal; beneficia, indistintamente, brasileiros e estrangeiros residentes no País. Valho-me do que tive oportunidade de externar em hipótese em que pairava dúvida quanto à adequação do habeas corpus, no que direcionado a ato indeferitório de liminar em idêntica medida: Em primeiro lugar, ressalte-se a idoneidade maior, a envergadura ímpar da ação constitucional de habeas corpus. Sobrepõe-se, até mesmo, ao fator temporal, ficando excluída, assim, a possibilidade de a passagem do tempo resultar em preclusão. Importante é saber-se se, na espécie, há articulação em torno do cerceio ao exercício da liberdade de ir e vir. Esse é o dado primordial para abrir-se a via da impetração. Pouco importa que o ato de constrangimento surja precário e efêmero; pouco importa esteja ele estampado em decisão interlocutória ou definitiva; pouco importa que, na espécie, se tenha envolvido ato judicante formalizado no campo precário e efêmero, como é o da apreciação de pedido de medida acauteladora. O que cumpre averiguar é se a prática formalizada repercute de forma ilegal na liberdade do cidadão. Afirmativa a resposta, há de caminhar-se para a admissibilidade do habeas corpus. Óptica diversa implica dizer-se que ato definitivo, que ato de Colegiado fica submetido à jurisdição constitucional a ser implementada via habeas corpus e ato monocrático é imune a tal controle. Daí não poder, em face de submissão aos mandamentos constitucionais, agasalhar a tese linear segundo a qual não cabe a impetração quando o ato envolvido e apontado como de constrangimento esteja revelado pela negativa de concessão de liminar. Passo, então, a examinar a hipótese de que tratam estes autos. Ninguém desconhece a necessidade de adoção de rigor no campo da definição de responsabilidade, mormente quando em jogo interesses públicos da maior envergadura. No levantamento de dados, no acompanhamento dos fatos, no esclarecimento da população, importante é o papel exercido pela imprensa. Todavia, há de se fazer presente advertência de Joaquim Falcão, veiculada sob o título “A Imprensa e a Justiça”, no Jornal O Globo, de 6 de junho de 1993: Ser o que não se é, é errado. Imprensa não é justiça. Esta relação é um remendo. Um desvio institucional. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz. Nem editor é desembargador. E quando, por acaso, acreditam ser, transformam a dignidade da informação na arrogância da autoridade que não têm. Não raramente, hoje, alguns jornais, ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar. Processam sem ouvir. Colocam o réu, sem defesa, na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar. Exige-se do Judiciário a eqüidistância, a atuação desapaixonada, buscando, assim, o restabelecimento da paz jurídica momentaneamente abalada. O instituto da prisão preventiva coloca-se no campo da absoluta excepcionalidade. O certo, o constitucional é aguardar-se a formação da culpa após haver o acusado exercido, em toda a plenitude, o direito de defesa. Pedagógica é a Carta da República ao revelar algo que decorre, até mesmo, do princípio da razoabilidade, da presunção do que normalmente se verifica, da impossibilidade de inverter-se a ordem natural das coisas, assentando-se conclusão somente passível de ser alcançada ao término da instrução penal, após desincumbir-se o Ministério Público do ônus processual de comprovar, de forma robusta, a culpa do acusado. Impossível é esquecer que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória” (inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal). É essa a óptica que deve estar presente toda vez que enfrentado requerimento do Ministério Público visando a prender-se este ou aquele acusado. Há de ser examinado, em si, o ato no sentido da manutenção da custódia do Paciente, ou seja, a decisão mediante a qual o Juízo da 6ª Vara Federal manteve a preventiva quanto ao Paciente, afastando-a no tocante ao co-réu Luiz Augusto de Bragança. A prova material da existência dos crimes descritos na denúncia e indícios suficientes da autoria não são capazes de, por si sós, levarem à extravagante prisão preventiva, sob pena de ter-se, na realidade, autêntica execução de pena ainda não imposta. O artigo 312 do Código de Processo Penal exige mais, e o faz remetendo sempre à consideração das circunstâncias do caso concreto, sem que se possa partir para a elaboração de peça judicial que sirva a todo e qualquer processo. O fundamento da magnitude da lesão está umbilicalmente ligado a algo que diz respeito à decisão final da ação penal, ou seja, à imposição da pena. Discrepa da natureza da custódia, no que há de mostrar-se simplesmente preventiva, e não reparatória. A norma do artigo 30 da Lei nº 7.492/86 não resiste ao mais flexível exame sob o ângulo jurídico, à luz do sistema pátrio de persecução criminal. Conduz a verdadeiro paradoxo, como retratado na inicial. Em se tratando de mercado financeiro, de mercado de capitais, os valores envolvidos são de ordem inigualável, e aí, em qualquer ação, ter-se-ia a magnitude da lesão causada, também submetida à respectiva demonstração. Veja-se a que conduz a aplicação do referido artigo 30. No caso dos autos, com tintas fortes, menciona-se quantia que ultrapassa um bilhão de reais. Pois bem, a denúncia fez-se voltada não apenas contra o ora Paciente, mas, também, à responsabilidade, pelo crime que se diz perpetrado, de outros acusados, a saber: Cínthia Costa e Sousa, Eliel Martins da Silva, Luiz Antônio Andrade Gonçalves, Roberto José Steinfield, Luiz Augusto de Bragança, Rubem de Freitas Novaes, Francisco Lafaiete de Pádua Lopes, Cláudio Ness Mauch, Demósthenes Madureira de Pinho Neto, Teresa Cristina Grossi Togni, Alexandre Pundek Rocha e Edemir Pinto, apontando-se a infração aos artigos 4º, 10 e 23, combinado com o artigo 25 da Lei nº 7.492/86, e artigos 312, 313, 333 e 299 do Código Penal. Ora, a teor do artigo 30 em comento, todos deveriam estar sob a custódia do Estado, e aí, após o desfecho final das ações penais intentadas, caminhar-se-ia ou para a detração, se impostas condenações, ou para a responsabilidade civil do próprio Estado, ante a previsão do inciso LXXV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 - “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. O primeiro, o erro judiciário, estaria, justamente, na aplicação de um dispositivo legal que exsurge conflitante com o sistema consagrado pela Lei Maior. A esta altura, tem-se uma certa tranqüilidade, vez que a preventiva, com base em tal preceito legal, apenas foi decretada contra dois acusados, sendo que um deles já logrou a liberdade. Assim, neste exame superficial - e mais não seria necessário - afasto o fundamento contido na decisão de folha 223 à 231, concernente à automática prisão do Paciente em virtude da magnitude da lesão, até aqui não tornada extremo de dúvidas. Quanto à possibilidade de o Paciente haver praticado outros crimes - e aludiu-se a “(...) indícios da prática de outros crimes (...)” - creio que atento está o Ministério Público. A par disso, considerada a própria persecução criminal, ressalta, ainda, que tais indícios afloraram das gravações obtidas a partir da interceptação telefônica. Não obstante, essas gravações padecem da ausência da indispensável legitimidade legal e constitucional. Documentos anexados a estes autos comprovam as sucessivas prorrogações do prazo de quinze dias para a feitura das diligências interceptativas. A escuta telefônica consubstancia exceção, e, assim, os preceitos que, a partir do artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, regem-na hão de ser interpretados de forma estrita, e não elástica. O balizamento temporal do artigo 5º da Lei nº 9.296/96 não pode ser ultrapassado, pouco importando a repercussão do crime perpetrado. O prazo de quinze dias, renovável apenas por igual período, deve ser observado, como, também, a necessidade de a ordem judicial fazer-se não de modo telegráfico, mas de maneira fundamentada, e isso não ocorreu na espécie dos autos, conforme demonstram as peças de folha 236 à 245. Quanto à atuação do Paciente relativamente às testemunhas, atente-se para o fato de que o próprio Juízo mitigou a importância da alegação, ao consignar, à folha 226, que, “no que diz respeito às testemunhas do MPF Leila Malafaya e Leon Sayeg, tendo em vista que as razões acima já deixam claro que a prisão preventiva ao menos não será ainda revogada, tendo em vista os indicativos a respeito da prática de outras condutas delituosas, reservo-me a aferir a questão da influência no ânimo das testemunhas, após a colheita de seus depoimentos no sumário”. Assim, essa possível interferência deixou de ser tomada como base para, em prol da instrução criminal, determinar-se a custódia. Por derradeiro, no tocante à possibilidade de o Paciente deixar o Brasil, também inexiste base maior para chegar-se à posição limite, que é a referente à custódia antes de a culpa estar formada. De início, qualquer acusado pode evadir-se, pode deixar o distrito da culpa, arcando com as conseqüências próprias. O que varia é a forma de locomoção. É certo que o Paciente é de nacionalidade italiana, sendo naturalizado brasileiro. Todavia, possui raízes no País, para aqui tendo vindo em tenra idade e se estabelecido, constituindo família e se projetando no campo profissional escolhido. O receio de viagem sem volta ao exterior - já que a Itália, tal como o Brasil, de regra não agasalha extradição de nacional - pode ser neutralizado por outros meios, notando-se a eficiência de nossa Polícia de Portos. A não se sopesar esse aspecto, ter-se-á que, de um modo geral, estando o estrangeiro envolvido em um processo-crime, a preventiva será sempre medida a ser imposta. Quanto ao fato de o Paciente estar respondendo a processo, ou mesmo ter sido condenado, a repercussão é indevida. A prestação de contas à Justiça, sem a evidência de uma periculosidade maior, faz-se processo a processo, não cabendo adotar esdrúxula reciprocidade, isso considerada a preventiva. Levando em conta este fundamento, esgotam-se as premissas do decreto de prisão, e aí constata-se que, a princípio, mostrou-se extravagante a preservação da custódia, mesmo porque verificado grande hiato entre os primeiros procedimentos criminais alusivos à espécie e a decretação. 3. Defiro a liminar pleiteada para assegurar ao acusado Salvatore Alberto Cacciola - o único dos catorze denunciados sob a custódia do Estado - o direito de aguardar, em liberdade, o julgamento do habeas corpus impetrado junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região - Habeas Corpus nº 2000.02.01.0357605. Expeça-se o alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas legais, ou seja, caso não esteja o destinatário submetido à custódia do Estado por motivo estranho ao Processo 99.046981-0, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, tendo em vista a decisão de folha 223 à 231. 4. Publique-se. Brasília, 14 de julho de 2000. Ministro MARCO AURÉLIO Vice-Presidente, no exercício da Presidência (artigo 37, I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal)FONTE DAS TRÊS MATÉRIAS:www.espacovital.com.br