MARIA INÊS NASSIF E O PAPA DEBATEM FOCO DA IMPRENSA

29 Jul 2008
Portal Comunique-se29/07/2008MARIA INÊS NASSIF E O PAPA DEBATEM FOCO DA IMPRENSAMilton Graça(*)Dois textos divulgados no mesmo dia – 24/7 – mas separados por milhares de quilômetros – um, escrito por Maria Inês Nassif e publicado pelo jornal VALOR; outro, um discurso em Washington pelo embaixador venezuelano na OEA – tiveram o coincidente propósito de apontar erros da imprensa, embora sem contestar o pleno direito democrático à liberdade de informação e de opinião. A competentíssima Maria Inês, editora de opinião de VALOR, sob o irônico título “Esqueceram que Dantas era o acusado”, procurou mostrar que o foco da imprensa, durante a Operação Satyagraha da Polícia Federal , inicialmente dirigiu-se (limitando-se a informar) às prisões de Dantas e outros – subordinados ou parceiros nas operações suspeitas do Opportunity. Mas, num segundo momento, “embarcou” nas queixas e acusações do ministro Gilmar Mendes, do STF, em que os acusados principais passaram a ser a PF e o Ministério Público. “Sob pressão da mídia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a direção da Polícia Federal forçaram o afastamento dos delegados responsáveis pelo inquérito". E, daí em diante, o governo foi “sentado” no banco dos réus, por ter abortado a ação saneadora dos delegados Protógenes & auxiliares.Enfim, os negócios de Daniel Dantas só foram assunto principal no primeiro capítulo da novela. Maria Inês reconhece ser difícil cobrar coerência da mídia, quando os fatos se sucedem com grande rapidez. Mas essa “oscilação de foco” pode provocar efeitos indesejáveis. Neste acaso, ajudou a defesa de Dantas.Não quero privar vocês da leitura integral da coluna de Maria Inês (disponível para assinantes), que deveria ser distribuída por todos os órgãos de imprensa a seus jornalistas. É uma aula e uma autocrítica que todos deveríamos ler e aproveitar.No Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos, o embaixador Roy Chaderton Matos fez um interessante discurso de estréia como representante da Venezuela, da qual só se publicaram aqui pequenos trechos. Roy relembrou que a OEA sempre proclamou intransigente defesa da liberdade, mas também sempre foi complacente com os muitos ditadores de plantão. E que estes cavalheiros em geral também puderam contar com o apoio da maioria dos órgãos de comunicação na repressão aos opositores.E Roy cita esta mensagem do papa João Paulo II à XXXII Jornada das Comunicações Sociais, em 1998, que, como Maria Inês Nassif, curiosamente também discute possíveis erros de foco da imprensa:“Os meios de comunicação também podem ser usados para bloquear a comunidade e menosprezar o bem-estar integral das pessoas, alienando-as, marginalizando-as e isolando-as; arrastando-as para comunidades perversas, organizadas em torno de valores falsos e destrutivos; favorecendo a hostilidade e o conflito; criticando excessivamente outras pessoas e criando a manetalidade de ´nós´ contra ´eles´; apresentando o que é soez e degradante como um aspecto atraente, ignorando e ridicularizando o que eleva e enobrece. Podem difundir notícias falsas e desinformação, favorecendo a trivialidade e a banalidade. Os tópicos – baseados na raça e na origem étnica, no sexo, na idade e em outros fatores incluindo a religião – são tristemente comuns em nossos meios de comunicação.Os meios de comunicação são usados às vezes para construir e apoiar sistemas econômicos que servem à cobiça e à avidez. O neoliberalismo é um caso típico: fazendo referência a uma concepção economicista do homem, considera os lucros e as leis do mercado como parâmetros absolutos, em detrimento da dignidade e do respeito das pessoas e dos povos.”Eu ainda não conhecia essa crítica de João Paulo II às idéias de Armínio Fraga, Paulo Guedes, Henrique Meireles, Gustavo Loyola e tantos outros economistas famosos, considerados em alguns círculos brasileiros como mais infalíveis do que o Papa...(*) Milton Coelho da Graça, 77, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.http://www.comunique-se.com.br/index.asp?p=Conteudo/NewsShow.asp&p2=idnot%3D45936%26Editoria%3D301%26Op2%3D1%26Op3%3D0%26pid%3D17930013409%26fnt%3DfntnlA seguir, colamos o texto mencionado acima que pesquisado em:www.google.com.brJornal Valor econômico24/07/2008Esqueceram que Dantas era o acusadoMaria Inês NassifA primeira reação da mídia foi a de se refugiar em seu papel noticiarista: a prisão do banqueiro Daniel Dantas, de sua irmã e de outros parceiros de negócios foi acompanhada pelas lentes dos fotógrafos e dos cinegrafistas, e pelas diligentes anotações dos repórteres. Aí, os acusados eram Dantas e outros integrantes ou parceiros de negócios do Grupo Opportunity. Num segundo momento, os meios de comunicação embarcaram nos protestos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que acusou o delegado da PF, Protógenes Queiroz, de sensacionalista, jogou pedras sobre o Ministério Público e soltou todos os presos, exceto os envolvidos diretamente na tentativa de suborno de um delegado. Foi quando os acusados passaram a ser a Polícia Federal e o Ministério Público. Em seguida, sob pressão da mídia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a direção da Polícia Federal forçaram o afastamento dos delegados responsáveis pelo inquérito. A partir daí, os dedos acusadores da mesma mídia apontaram para o governo, que teria abortado a ação saneadora do delegado Protógenes, antes aquele que cometeu abusos contra acusados. Exceto no primeiro capítulo da novela Daniel Dantas, o foco da mídia não foi o dos negócios do banqueiro - ou empresário, ou sócio de empresas fantasmas, ou seja lá o que for - que estava sob investigação da polícia, mas os supostos crimes cometidos pela PF, ou uma ação política do governo para esvaziar o inquérito produzido por delegados da PF antes acusados de cometer ilegalidades. É difícil cobrar um comportamento sempre coerente da mídia: no calor dos fatos, reportar e julgar ao mesmo tempo, sem ter todas as informações, embute um enorme risco de erro. Mas é inegável que as oscilações abruptas de julgamento - e de foco - têm evidentes efeitos colaterais. A desautorização do inquérito da PF em determinado momento - desautorização pura e simples, sem ressalvas - serviu à defesa de Dantas. É certo que o inquérito cometeu erros crassos, misturou estações e interpretou de forma muito equivocada alguns grampos - e perdeu credibilidade ao misturar pessoas envolvidas nos negócios de Dantas com outras que simplesmente foram citadas e não tinham culpa nenhuma no cartório. Mas os meios de comunicação também não separaram as coisas. Primeiro, publicaram tudo como se fosse tudo verdade e, quando se depararam com a dificuldade de comprovar o envolvimento de alguns dos citados, a tendência foi a de generalizar a acusação de “abuso”, como se prender alguém que mandou corromper um delegado fosse algo impensável, pelo menos quando essa figura é um banqueiro. Quando resolveram rever sua opinião sobre a polícia - e isso ocorreu quando foi possível acusar o governo de pressão política sobre a instituição - a guinada foi radical: a PF não era mais leviana, mas moralizadora, e era essa PF moralizadora o objeto das pressões de um governo. Nesses dois extremos, a mídia também foi o veículo da sensacionalização. Se a PF foi sensacional, foi porque o fato dado a conhecimento foi reverberado pela mídia sem qualquer filtro. Daí foi a própria mídia a acusar o sensacionalismo e pressionar por uma posição de governo contra o que considerou abusos. E foram os próprios meios de comunicação quem, à ação corretiva dos superiores do delegado, acusaram sensacionalmente o governo de ter pressionado a instituição a não apurar fatos relativos ao inquérito contra Dantas e grupo. Nesse processo, o resultado mais palpável foi que em alguns dias Daniel Dantas e suas ações pouco republicanas saíram rapidamente de foco e deram lugar a um debate surrealista sobre o que é um abuso policial e sobre até onde vai a autonomia da PF diante de uma pressão do governo (dada como certa e definitiva) sobre a instituição para não apurar os fatos - que, ao mesmo tempo, segundo a mesma imprensa, fez um inquérito que beirou o abusivo. É surrealista porque em nenhum momento a imprensa analisou o seu próprio papel no caso. E isso inclui o fato de que toda a informação que uma instituição vaza é publicada por algum veículo de comunicação. Se foi um abuso o vazamento de todo o inquérito, inclusive as partes relativas a pessoas que não são parte dos delitos cometidos pelo grupo de Dantas, de quem é o abuso? De quem vazou ou de quem publicou a informação vazada? Desde a promulgação da Constituição de 1988, o país vive ciclos em que uma ou outra instituição se impõe sobre as demais quando assume como exclusivamente seu o papel de repressão ao crime e de guardião da moralidade. O Ministério Público já esteve nessa situação, assim como os juízes de primeira instância. Agora é a vez da PF. Todas as vezes que uma instituição se excedeu, no entanto, foi porque encontrou eco na mídia. Foram os veículos de comunicação que deram guarida aos sucessivos vazamentos de investigações do MP ou de processos que corriam na Justiça; como hoje dão abrigo aos vazamentos da PF. Não raro, um vazamento de informação acaba justificando um pedido judicial da mesma instituição que fez o vazamento; ou é usado como pressão política contra partidos e governos; ou é exibido como prova de eficiência, em movimentos de valorização corporativa. Portanto, a informação, pretensamente acrítica, não é neutra. Ela tem usos políticos e corporativos. Não dá para debater os eventuais abusos de instituições sem reconhecer que o jornalismo teve um papel fundamental nos processos de hipertrofia dos poderes de uma ou outra, em determinados períodos. É um engano imaginar que a informação acrítica é neutra. Ela é apenas acrítica - e isso não significa sequer ser independente. O próprio modus operandi de Dantas é prova disso. A farta produção de dossiês para destruir reputações de inimigos foi um fato. Se os jornais e revistas os publicaram, fizeram um favor a Dantas. Esse comportamento está longe de ser neutro. Se um inquérito policial atinge quem não deve atingir, e a imprensa não filtra essa informação, pode lançar o descrédito em todo o inquérito e contribuir para a impunidade dos que devem efetivamente ser punidos. Ou pode abalar as reputações de quem nada deve. O site do VALOR está disponível somente para assinantes