Opinião: Não se espante se o médico lhe prescrever um filme, além do remédio e A quem pertence o conhecimento?
FONTE SITE BOL/UOL01/08/2008 - 08h00Não se espante se o médico lhe prescrever um filme, além do remédioTatiana ProninEditora do UOL Ciência e SaúdeEnfrentar uma doença é, na melhor das hipóteses, desagradável. Aprender sobre ela também não é muito empolgante, a não ser que você seja um profissional de saúde com bastante vocação. A tarefa fica mais fácil quando a lição envolve cenário, maquiagem, trilha sonora, luzes e movimentos de câmera. Talvez por isso seja tão comum médicos e psicoterapeutas indicarem filmes para seus pacientes. Afinal, não é difícil ter pelo menos uma idéia do que é a esquizofrenia depois de assistir ao drama de John Nash, o matemático interpretado por Russell Crowe em "Uma Mente Brilhante". Ou do que é o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), que aflige o personagem de Jack Nicholson em "Melhor é Impossível". E, até para os médicos, os filmes podem ser ferramentas para reflexões sobre ética e valores.FILMES QUE OS MÉDICOS INDICAM Jack Nicholson, em "Melhor é Impossível", que conta de forma bem-humorada como são as manias de quem é vítima do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) "Óleo de Lorenzo", famoso entre os que se interessam por medicina. Baseado em fatos reais, conta o drama de um casal em busca de uma terapia para a doença do filho ÁLBUM DE FOTOS: CINEMA E SAÚDE FILMES TAMBÉM ENSINAM MÉDICOS ANOREXIA É TEMA DE "MAUS HÁBITOS" DEPOIS DO CINEMA, VÁ PARA O DIVÃ CIÊNCIA NAS TELAS É TEMA DE LIVRO Difundir conhecimento sobre aspectos ligados a saúde e emoções por meio do cinema foi o objetivo de um projeto criado pelo Centro de Estudo e Pesquisas do Hospital Samaritano, em São Paulo, em 2001. Desde então, uma vez por mês, a equipe coordenada pela psiquiatra June Melles Megre escolhe um filme para ser exibido à comunidade, seguido de um debate. Segundo a médica, é uma forma de estimular a reflexão sobre as patologias e o autoconhecimento. "Poderia ser outra forma de arte, mas achamos que o cinema é mais acessível."Em uma etapa, o hospital exibiu filmes sobre temas ligados a psiquiatria, como o próprio filme sobre Nash, além de "Garota Interrompida" (sobre transtorno de personalidade ´borderline´, ou limítrofe) e "O Lenhador" (sobre pedofilia), entre outros. Nos debates sobre sexualidade, um dos escolhidos foi "A Bela da Tarde". E, quando o assunto foi morte, "A Balada de Narayama" foi um dos pontos de partida.O que importa, diz ela, não é a qualidade do longa-metragem, mas o quanto é possível extrair sobre determinada condição. É o caso de "Refém do Silêncio", estrelado por Michael Douglas, que, apesar dos clichês, é um dos poucos que trata bem a questão do estresse pós-traumático, na opinião da médica. O filme que teve maior audiência no hospital, aliás, também está longe de ser uma obra-prima: você se lembra de "Encaixotando Helena", em que o médico interpretado por Julian Sands amputa as pernas e os braços de sua amada para cultuá-la? "O ciúme doentio leva a pessoa a tolher a outra; isso acontece na vida real", justifica a médica.Megre diz que também indica filmes para seus pacientes de consultório. Por exemplo, quando se trata de alguém que está tentando largar a bebida, uma opção pode ser "O Show Deve Continuar", ("All That Jazz", em inglês). O musical, que também foi exibido nos debates sobre a morte do Samaritano, descreve as fases que em geral as pessoas experimentam ao lidar com algum tipo de perda: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Claro que o cinema não tem, necessariamente, compromisso com a verdade, o que envolve riscos quando a idéia é explicar uma patologia para pacientes e familiares. É por isso que os especialistas são unânimes: a conversa depois do filme é imprescindível, para que se separe o joio do trigo, o "colorido" das telas dos fatos reais. Se não houver orientação, a sugestão pode até atrapalhar, em vez de ajudar. Uma garota com anorexia que assista ao mexicano "Maus Hábitos", atualmente em cartaz, pode encarar a mensagem da personagem doente (uma mulher obcecada por dietas) como um incentivo à recusa em comer. E o simples fato de identificar sua condição nas telas pode gerar um sofrimento que, eventualmente, pode fazer mal ao paciente. "O filme ´Mar Adentro´, por exemplo, é belíssimo, mas não é para ser visto a qualquer hora", comenta Megre, referindo-se ao drama de um tetraplégico que luta pelo direito de morrer. "Filmes sobre doenças, em geral, são feitos a partir de uma pesquisa, mas não há aprofundamento", ressalta, também, a médica de família Priscila Baptistão. Ela cita o clássico "Óleo de Lorenzo" como exemplo de longa que, além de explicar uma doença, revela algo que tem sido cada vez mais comum nos consultórios: "Muitos pacientes fazem pesquisas sobre a doença, nem sempre em fontes confiáveis, e passam a questionar o tratamento", conta. Na história real que inspirou o filme, o resultado foi positivo: inconformado, o casal mergulha em livros de medicina e acaba colaborando com a descoberta de uma terapia contra a enfermidade do filho. Mas, na maioria dos casos, o profissional tem de convencer os pacientes a tomarem o remédio prescrito, apesar dos efeitos colaterais. Ou explicar que a nova droga, anunciada como panacéia, pode ter efeitos indesejados a longo prazo - como sugere, com os exageros típicos de Hollywood, a ficção "Eu Sou a Lenda" sobre um vírus criado por cientistas para combater o câncer que acaba dizimando a humanidade. http://noticias.bol.uol.com.br/ciencia/2008/08/01/ult4477u872.jhtm (do UOL Ciência e Saúde)----------------------------------------------------------FONTE: SITE UOLO Estado de São PauloSexta-Feira, 01 de Agosto de 2008 | Versão ImpressaA quem pertence o conhecimento?Washington NovaesMais uma vez, está em ebulição nos meios de comunicação o tema da propriedade do conhecimento na área dos medicamentos. Por dois motivos: 1) O reconhecimento de patentes de medicamentos nos planos internacional e nacional e o direito de "quebrá-las" em casos de necessidade pública; 2) condições de acesso de cientistas no Brasil ao conhecimento de comunidades tradicionais (índios, quilombolas e outras). No plano internacional, este jornal deu ampla cobertura à verdadeira guerra travada em maio no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Industrial (Ompi), que regula a questão das patentes, na qual o candidato brasileiro acabou derrotado, por um voto, por outro candidato acusado até de corrupção e assédio sexual. No plano nacional, o embate continua em curso.Na Ompi, a questão central é uma tentativa de reformular o sistema de reconhecimento de patentes de medicamentos. A proposta enfrenta fortíssima resistência das empresas multinacionais do setor, porque estas desejam que o reconhecimento prossiga mesmo após o prazo de vencimento - contra o desejo de países que querem ter o direito de fabricá-los como genéricos, principalmente medicamentos para tratamento de aids. O temor daquelas empresas é quanto à expansão do mercado de genéricos, que já está na casa dos US$ 36 bilhões anuais e deve chegar, em 2015, a US$ 90 bilhões (Estado, 29/4). Só o mercado mundial de medicamentos derivados de espécies vegetais, segundo o conceituado Thomas Lovejoy, é hoje superior a US$ 200 bilhões anuais. A oposição central à quebra de patentes vem dos EUA e da Suíça. É uma posição tão radical a das indústrias do setor que elas se têm recusado a aceitar a proposta da Organização Mundial de Saúde de receber, do único país que o conseguiu isolar, o vírus que transmite a gripe aviária de ser humano para ser humano - em troca do direito de aquele país fabricar a vacina (que ainda não existe) sem pagar royalties. Enquanto isso, o mundo corre o risco de uma pandemia.No Brasil, o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) anunciou que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial vai "rever as diretrizes de concessão de patentes" no caso de novas formas derivadas de produtos já patenteados e que caíram em domínio público ou não. Isso acontece no momento em que o Ministério da Saúde, por meio da Fundação Oswaldo Cruz, se prepara para lançar, nos próximos meses, um medicamento genérico de medicamento antiaids cuja patente foi quebrada por licenciamento compulsório. A redução de custo poderá chegar a 90%.É uma questão antiga. No começo da década de 90, quando o Congresso brasileiro discutia um projeto de lei de propriedade industrial (que regula essa matéria), o então presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, e o autor destas linhas, que era secretário do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, tentaram, com discussões em comissões daquela Casa, modificar o texto, que tinha várias inconveniências, entre elas a de permitir reconhecer, aqui, patentes que já haviam caído no domínio público em outros países ou já estavam perto do prazo. Nada conseguiram. Nem mesmo com a simpatia declarada pelo então presidente Itamar Franco, que entregou o assunto a seu líder no Congresso. Mas este achava "oposição ao progresso da ciência" modificar o texto do projeto.O tema está de volta. Inclusive porque o Ministério da Saúde considera prejudiciais artigos da lei que dificultam o acesso a certos medicamentos, muitos deles protegidos por aqueles dispositivos combatidos no início da década de 90 e afinal aprovados. Agora, anuncia-se que tão preocupado está o Ministério com o tema que o BNDES planeja criar uma "superempresa" de medicamentos, mediante fusões e associações, até com bancos - inclusive porque a importação de medicamentos e o pagamento de royalties estão "pesando no déficit comercial e no balanço de pagamentos do País".O segundo tema também está de volta com o protesto de cientistas, inconformados com a legislação que protege o conhecimento de comunidades tradicionais e exige seu consentimento para que cientistas possam pesquisar, a partir dele, a eficácia, por exemplo, de certas plantas na geração de medicamentos. É outro tema no qual o autor destas linhas se envolveu há uns poucos anos, de novo juntamente com o professor Ennio Candotti, que presidia mais uma vez a SBPC. Mas, reunidos cientistas, ambientalistas, antropólogos e representantes de ONGs que defendem direitos indígenas, não se conseguiu avançar. E o impasse se declarou no momento em que foi invocado um caso que hoje retorna ao noticiário: um cientista fechou acordo com 11 aldeias de uma etnia para pesquisar as propriedades de uma planta, dando a elas participação nos resultados financeiros; mas, na hora de assinar o acordo, três outras aldeias, da mesma etnia, a ele se opuseram e invocaram tratar-se de um conhecimento comum a todas as 14 aldeias. Como não há em sociedades desse tipo delegação de poder, sem o consenso não era possível o acordo. Representantes da comunidade científica na discussão não se conformavam e alegavam que estava sendo impedido o "avanço da ciência". De nada adiantou argumentar que há organizações sociais e políticas diferentes e que é preciso reconhecer isso. Prevaleceu o impasse.Talvez possa haver outro encaminhamento. Se a legislação dispuser que o acesso a esse conhecimento será livre, se não se transformar em rendimento financeiro, é possível que se possa avançar. No caso, o poder público, por meio das suas universidades e outras instituições públicas, terá de arcar com os custos da pesquisa, cujos resultados seriam de domínio também público. E dar às comunidades tradicionais a garantia de que também elas se beneficiarão com esse conhecimento. Quem sabe? http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080801/not_imp215632,0.phpWashington Novaes é jornalistaE-mail: wlrnovaes@uol.com.br