Três textos sobre Economia: Economistas prevêem inflação mais baixa e juros mais altos, diz pesquisa do BC ; Hora da verdade; e: Homo Ludens
FONTE FOHA IN LINE11/08/2008 - 08h44 Economistas prevêem inflação mais baixa e juros mais altos, diz pesquisa do BC EDUARDO CUCOLOda Folha Online, em Brasília Os economistas ouvidos pela pesquisa semanal do Banco Central reduziram, pela segunda semana seguida, a previsão para a inflação em 2008. A expectativa para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) neste ano, índice que serve como meta de inflação, caiu de 6,54% para 6,45%. Se confirmado, o indicador ficaria novamente dentro do teto da meta de inflação para esse ano, que é de 6,50% (meta de 4,5% com dois pontos percentuais de tolerância para cima e para baixo). Além disso, os economistas também esperam um aumento maior dos juros neste ano. Até a semana passada, a previsão era de que a taxa básica de juros (Selic) encerraria 2008 em 14,50% ao ano. A estimativa foi revista para 14,75% ao ano. Foram mantidas as previsões para o IPCA em 2009 (5%) e para a taxa Selic no final do próximo ano (14% ao ano). Desde o início do ano, a Selic já subiu de 11,25% para 13% ao ano. No final de julho, o BC promoveu o maior aumento de juros desde o início do governo Lula, numa tentativa de trazer a inflação de volta para o centro da meta no próximo ano. Crescimento A expectativa do mercado financeiro é que os juros mais altos também tenham reflexo no crescimento da economia no próximo ano. Os economistas que participam da pesquisa do BC reduziram as expectativas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no próximo ano de 3,9% para 3,73%. Para 2008, foi mantida a previsão de 4,8%. Inflação Em relação aos outros índices de inflação, também houve queda nas previsões para 2008. A expectativa do mercado para o IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna) caiu de 12,13% para 11,33%; e o IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado) teve a previsão reduzida de 12% para 11,04%. A expectativa para o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômica) passou de 6,53% para 6,48%. Para 2009, a previsão para o IGP-M caiu de 5,5% para 5,48%. Não houve mudança em relação ao IGP-DI (5,40%) e ao IPC-Fipe (4,61). Outros indicadores A estimativa para o dólar caiu de R$ 1,61 para R$ 1,60 no final deste ano. Para dezembro de 2009, a previsão caiu de R$ 1,72 para R$ 1,71. A projeção para o saldo da balança comercial em 2008 subiu de US$ 23 bilhões para US$ 23,1 bilhões. Para 2009, foi mantida em US$ 15 bilhões. A expectativa para o déficit em conta corrente passou de US$ 24,9 bilhões para US$ 25 bilhões neste ano e de US$ 32,7 bilhões para US$ 33 bilhões em 2009. Subiram as expectativas de investimentos estrangeiros diretos de US$ 34 bilhões para US$ 34,5 bilhões (2008). Para 2009, foi mantida a previsão de US$ 30 bilhões. A previsão para a relação dívida/PIB subiu de 40,43% para 40,50% neste ano. Para 2009, passou de 38,90% para 39,35%. http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u431933.shtml-----------------------------------------------------------FONTE: FOLHA ON LINE11/08/2008 Hora da verdade O cineasta espanhol Luis Buñuel (1900-1983), diretor de "O Anjo Exterminador" e de "A Bela da Tarde", entre outros, é autor de uma das melhores frases sobre a mutabilidade do mundo: "Lamento uma coisa: não saber o que vai acontecer. Abandonar o mundo em pleno movimento, como no meio de uma novela... Gostaria de poder levantar-me de entre os mortos a cada dez anos e ir a uma banca de jornais. Não pediria mais nada. Com meus jornais embaixo do braço, pálido, roçando as paredes, regressaria ao cemitério e leria os desastres do mundo antes de voltar a dormir, satisfeito, no refúgio tranqüilizador de minha tumba". Voltar do mundo dos mortos não é o mesmo que retornar das férias, que também não duram dez anos, infelizmente. Mas é igualmente incrível, nos dias de hoje, como períodos tão curtos podem fazer tanta diferença e ser reveladores, especialmente no campo econômico. Em pouco mais de 40 dias muita coisa mudou no Brasil e no mundo, voltando a revelar a ainda frágil situação de nossa economia e a insignificância de nosso mercado de capitais, representado na Bovespa. Nesse curto período houve uma desmonte no mercado internacional de grandes operações especulativas em torno das commodities (agrícolas, minerais e petróleo). Isso se deu pela tendência de elevação dos juros em vários países, com vistas a conter pressões inflacionárias. Os investidores trocaram posições, deixando operações especulativas, com as commodities, em direção a papéis que pagam juros. Como resultado, só o petróleo despencou de US$ 150 o barril há algumas semanas para US$ 115. Outras commodities, agrícolas e minerais, seguem a mesma trilha. Se isso é boa notícia do ponto de vista da inflação mundial, representa um enorme desafio para o Brasil. Uma queda generalizada nos preços de produtos básicos pode provocar um abrupto encolhimento do saldo comercial do país, hoje extremamente dependente das commodities. Há quatro meses o Brasil voltou ao vermelho em suas transações com o resto do mundo, o que não ocorria desde 2002. Esse quadro pode se agravar rapidamente caso as commodities embiquem com força para baixo. Estar no vermelho significa que o Brasil precisará cada vez mais de dólares de fora para se financiar, sejam dólares de investimentos produtivos ou especulativos. A tendência geral neste momento, infelizmente, é contrária ao país. Em julho, a diferença entre dólares que saíram e entraram no Brasil foi negativa em US$ 2,5 bilhões, o pior resultado desde 2006. Em junho, o saldo já havia ficado negativo em US$ 877 milhões. Embora o fluxo acumulado no ano se mantenha positivo em US$ 12,4 bilhões, há claramente uma mudança de tendência. Uma das indicações do estrago que a queda do preço das commodities pode causar já se materializou na Bovespa. Enquanto os principais mercados mundiais experimentam uma boa recuperação nos últimos dias, a nossa anêmica Bolsa patina abaixo dos 58 mil pontos _a despeito de todo o otimismo com o recém-adquirido "grau de investimento". Apesar de toda a lorota sobre o fortalecimento do mercado de ações no Brasil, a Bovespa ainda está longe de espelhar a economia como um todo. Combinadas, só Petrobras e Vale do Rio Doce (produtoras de commodities) representam 31% do índice Bovespa. Somadas a outras empresas do setor de commodities (como Gerdau e Usiminas), o percentual vai a 43%. Com a nova tendência de queda das commodities, dificilmente a Bolsa vai se recuperar tão cedo e voltar a atrair os cerca de US$ 15 bilhões de investidores estrangeiros (os verdadeiros "operadores" da Bovespa) que deixaram o país nos últimos dois meses. No início de junho, o economista Jim O´Neill, criador da expressão BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) disse o seguinte à coluna: "Creio que para sabermos se realmente o Brasil mudou de patamar em termos de seu potencial de longo prazo teremos de esperar o momento em que os preços das commodities começarem a cair. Antes disso, é difícil julgar se a mudança é estrutural ou não. O forte aumento das commodities tornou as coisas muito fáceis para o Brasil". Ao que parece, a hora da verdade chegou. Fernando Canzian, 40, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006.Escreve às segundas-feiras.http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/fernandocanzian/ult1470u431837.shtml--------------------------------------------------------FONTE ESTADO ON LINESegunda-Feira, 11 de Agosto de 2008 | Versão ImpressaHomo LudensEliana CardosoEsqueça o Homo sapiens e o Homo economicus. Quem traça o nosso destino é o Homo ludens - o homem lúdico, o brincalhão. Num livro de 1938 que leva esse título, Johan Huizinga, professor de História e Lingüística, desenvolve a idéia da cultura como fruto de nossa propensão para brincar. Enquanto dura a brincadeira, as regras que regem a realidade cotidiana ficam suspensas. Da brincadeira nascem a linguagem, a arte e a cultura. A fala e a escrita alfabética surgiram porque alguém brincou com sons, significados e símbolos. A forma mais pura da brincadeira, diz Huizinga, é a dança. O rei Davi, depois de tomar Jerusalém, na presença da Arca da Aliança, dançou "com todas as suas forças, cantando ao som das cítaras, harpas e tamborins".Podemos, como fazem alguns antropólogos, buscar na dança uma forma de comunicação organizada que antecede a linguagem. E encontrar na brincadeira, como faz o psicanalista inglês D. H. Winnicott, o fundamento da cultura. Brincando, e talvez apenas brincando, a criança e o adulto são livres para serem criativos.Winnicott inicia seu artigo sobre o espaço da experiência cultural com um verso do poeta indiano Tagore: "Na praia do mar de mundos sem fim, crianças brincam." Segundo ele, o mar e a praia representam a relação inesgotável entre o homem e a mulher. Dela emerge a criança, que dispõe de um momento breve no aconchego materno. Ao brincar, o bebê descobre a si mesmo e a própria capacidade de inventar o mundo.A experiência cultural é a continuidade da brincadeira criativa do bebê, que nunca ouviu falar em jogos. Pois brinquedo e jogo interessado são duas atividades diferentes. No jogo de azar, por exemplo, existem a competição e o interesse pelo ganho material. O brinquedo, ao contrário, tem a conotação infantil da espontaneidade, que não se aplica ao jogo.A dança das bolsas não é brincadeira, mas um jogo cheio de armadilhas. E, neste mês de agosto, as quedas das bolsas mundiais indicam que a crise do subprime nos EUA está longe do fim. Os estrangeiros batem em retirada da Bolsa de São Paulo, à medida que o mercado de commodities perde fôlego.Prova de que o jogo do mercado financeiro é cheio de perigos é o fato de que exige supervisão. Gerald Corrigan (ex-presidente do Fed de Nova York e um dos mais sábios economistas financeiros de nossa época) coordenou o estudo Containing Systemic Risk: The Road to Reform, divulgado dia 6/8. O relatório propõe reformas dramáticas. Entre elas, apóia reformas contábeis que coloquem nos balanços as exposições off balance sheets. Sugere novos critérios para a comercialização de bônus estruturados. Propõe a criação de uma câmara de compensação para derivativos, com investimentos em tecnologia para a confirmação, liquidação de negócios e rápida determinação das exposições.As propostas pretendem ajudar a conter crises futuras, que poderiam ocorrer porque, deixada em liberdade, Wall Street não parece capaz de antecipar problemas como os derivados de hipotecas subprime que se espalharam por todo o mercado financeiro. Nadando em dinheiro, os bancos concederam empréstimos sem cobrar o suficiente pelos riscos em jogo e criaram estruturas complexas que esconderam as conexões entre diferentes classes de ativos. As falhas do setor financeiro agora se traduzem em sofrimento na economia real.No mercado imobiliário americano, o número de casas desocupadas e à venda continua nas alturas, pressionando para baixo o preço das moradias, destruindo riqueza e reduzindo os índices de confiança dos consumidores. À medida que a crise financeira se espalha, os bancos arrocham o crédito. Sete bancos pequenos já foram à bancarrota em 2008 e outros 90 estão na lista que o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) monitora mais de perto. Prognósticos sombrios excluem a possibilidade de rápida recuperação da bolsa.Por que uma crise tão séria se vem arrastando em câmara lenta no resto do mundo? Stephen Jen e Luca Bindelli (economistas do banco de investimentos Morgan Stanley) atribuem o fenômeno à crescente regionalização do comércio mundial. Dois terços das exportações da Alemanha, por exemplo, se dirigem a países europeus. Essa estrutura de comércio ajudou o mundo a se descasar da crise americana. Pelo menos por ora.Por outro lado, os mesmos autores observam mudanças na distribuição de déficits e superávits nas contas correntes dos países. Em 2002, o déficit em conta corrente dos EUA identificava aquele país como o maior gastador do planeta. Em 2007, o número de países que gastam além de sua renda aumentou. Até mesmo exportadores de commodities, que se beneficiaram do aumento de seus preços de exportação, como a Nova Zelândia, África do Sul e Rússia, mostraram grandes déficits em conta corrente.Essas mudanças sinalizam mais volatilidade das taxas de câmbio, segundo os economistas do Morgan Stanley. Para o Brasil, a notícia não é boa. Durante os anos em que os preços das commodities subiam, a valorização do câmbio evitou que o aumento desses preços tivesse um impacto sobre a inflação. Agora, se a queda desses preços for contrabalançada por desvalorizações cambiais, ela não vai ajudar o trabalho do Banco Central. E, se ficar difícil financiar a conta corrente, nosso crescimento em 2009 pode sofrer.Você junta as informações e acha que é o fim do mundo. Não é. A maioria dos economistas concorda que não existe risco de uma depressão nos EUA como a da década de 1930. A razão é que o presidente do Fed parece decidido a evitar uma quebradeira no mercado financeiro, apesar do risco inflacionário de taxas de juros reais negativas. E, com a taxa de desemprego nos EUA em 5,7% (abaixo daquela para a qual a inflação se acelera) e o preço do petróleo em queda, o presidente do Fed pode deixar para depois sua preocupação com a inflação, ir para casa e brincar com as crianças. http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080811/not_imp221365,0.phpEliana Cardoso é professora titular da EESP-FGVSite: www.elianacardoso.com