O fim da Primeira República . O Brasil precisa aprender as lições das Mãos Limpas. A Operação Satiagraha, tão promissora, que gastou anos de investigação e parece ter tido acesso a muitas informações estarrecedoras, faz água por todos os lados.

15 Set 2008
11/09/2008 O que se viu após a redemocratização do país foi uma corrupção desembestada que atingiu os principais partidos nacionais, grandes empresas e empresários, parlamentares, juízes, governantes, em suma, todo o establishment público e privado, ligados umbilicalmente pelo financiamento ilegal da atividade política. Não, não estou falando do Brasil. Mas da Itália. Onde a operação Mãos Limpas, a partir de 1992, expôs a podridão do sistema político-econômico italiano do pós-guerra, levando aos tribunais milhares de suspeitos, entre políticos, empresários e funcionários dos Três Poderes. Uma das conclusões foi a de que os custos das obras públicas chegavam a dobrar para atender a todas as demandas dos envolvidos. O comportamento do ex-premiê socialista Betino Craxi, símbolo máximo do podre sistema político italiano, foi notório. Ao ser questionado sobre o recebimento de dezenas de milhões de dólares ilegalmente pelo Partido Socialista, defendeu-se com um constrangedor "todo mundo faz". Após ser condenado na Justiça, acabou fugindo para a Tunísia, onde morreu. Já o presidente da Eni, uma espécie de Petrobras italiana, suicidou-se na prisão e sua mulher depois devolveu aos cofres públicos US$ 3 milhões em propinas. As Mãos Limpas levaram à extinção os grandes partidos políticos italianos, já abalados pelo fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim, encerrando a chamada Primeira República pós-fascista. Mas o balanço está longe de ser positivo. Já no início dos anos 00 não havia mais ninguém na cadeia por causa dos crimes apurados nas investigações, e vários investigados seguiram em cargos públicos. O grupo de magistrados milaneses que realizou as investigações, tendo à frente Antonio di Pietro, antes saudado como heróico, passou a ser alvo de críticas severas tanto dos investigados quanto de analistas independentes por erros cometidos ao longo do processo. Foram esses erros que permitiram a muitos dos acusados se livrarem da cadeia ou atenuarem suas penas. Com a chegada de um antigo protegido de Craxi, Silvio Berlusconi, ao poder, ele mesmo um dos investigados pelas Mãos Limpas, a operação perdeu força, até porque Berlusconi exerce enorme controle sobre a mídia italiana. O Brasil precisa aprender as lições das Mãos Limpas. A Operação Satiagraha, tão promissora, que gastou anos de investigação e parece ter tido acesso a muitas informações estarrecedoras, faz água por todos os lados. Nada melhor para os investigados que os investigadores cometam erros, pois não precisam sequer entrar no mérito das investigações. É o que parece ter ocorrido com a Satiagraha, contaminada por voluntarismo e motivações pessoais que não deveriam ser parte das ações de nenhuma polícia profissional. O Brasil, para se livrar desse sistema político podre que aprisiona a República, precisa de uma polícia profissional e independente. A Polícia Federal parecia estar nesse caminho. Parecia. Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.E-mail: smalberg@uol.com.br http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/sergiomalbergier/ult10011u443935.shtml