A carta que blindou a democracia brasileira; e : Há 20 anos, País recebia sua Constituição Cidadã .Há 20 anos era promulgada a Constituição que garantiu estabilidade institucional ao País
Quinta-feira, 2 de outubro de 2008, 01:11 | Online Carlos Marchi, de O Estado de S. Paulo SÃO PAULO - Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca, disse o deputado Ulysses Guimarães, no dia 5 de outubro de 1988, no histórico discurso com que declarou promulgada a Constituição Cidadã. Vinte anos depois, a frase de Ulysses soa profética. O País atravessou os últimos 20 anos sem sofrer qualquer ameaça de fratura institucional, a despeito de ter processado um impeachment e ter sido governado por todos os quadrantes do arco ideológico. A Constituição gera controvérsias até hoje. Muita gente a critica, mas todos lhe reconhecem passagens memoráveis. Ninguém a afrontou. http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac251796,0.htm Discurso de Ulysses Guimarães Discurso de Mario Covas Discurso de Lula http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac251796,0.htm A Constituição mudou o perfil do eleitorado brasileiro, ao promover a inclusão eleitoral quando estendeu o direito de voto aos analfabetos, que antes não podiam ser eleitores, e, em caráter facultativo, aos jovens entre 16 e 18 anos. Fez mais: recompôs admiravelmente os direitos e garantias individuais, criou o habeas-data, que permite ao cidadão conhecer o que o Estado sabe dele, consagrou o Código do Consumidor, uma eficaz cartilha de cidadania, foi a primeira Carta a mencionar a proteção ao meio ambiente, determinou a demarcação das terras indígenas. Mas a Constituição que reconstruiu o País a partir dos escombros da ditadura é também a que tornou o Brasil mais difícil de governar. Tem um notável capítulo de direitos e garantias individuais, mas exigiu a reforma de quase todo um capítulo econômico para que o País pudesse funcionar. Exibe passagens grandiosas, como a qualificação do racismo como crime inafiançável e imprescritível, e propostas bizarras, como tabelar os juros em 12% ao ano. Criou deveres rigorosos para o Estado, mas não lhe deu meios para cumpri-los. Inspirou a cidadania, mas ignorou a reforma política. O ex-presidente José Sarney, um de seus mais ácidos críticos, repete hoje o discurso de 1989: "Ela tornou o Brasil ingovernável O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso critica: Ficou ambígua, não é presidencialista nem parlamentarista.Mas foi sob ela que o Brasil atingiu o mais longo período de democracia de sua História, uma singular vantagem comparativa ante seus concorrentes diretos no mundo - os outros países do grupo Bric, Rússia, Índia e China. Vinte anos mudam as pessoas: eleito constituinte pelo PDS, Delfim Netto, ministro do regime militar e signatário do AI-5, diz agora que o capítulo dos direitos individuais da Constituição beira o estado da arte. E José Genoino, eleito em 1986 como expoente do Partido Revolucionário Comunista dentro do PT, conta que chegou à Constituinte com um discurso revolucionário radical e saiu de lá como entusiasmado adepto da democracia. Com seu discurso na cerimônia retumbante de 5 de outubro de 1988, Ulysses marcou o encerramento de 20 meses do mais intenso e prolongado embate político-ideológico já ocorrido no País em períodos democráticos. Convocada em junho de 1985 por mensagem presidencial, a Assembléia Nacional Constituinte (ANC) foi eleita em novembro de 1986, no auge do sucesso do Plano Cruzado de Sarney e do seu partido, o PMDB, que fez 22 dos 23 governadores do País e obteve esmagadora maioria parlamentar. O PMDB elegeu 302 parlamentares (54% do plenário); seu aliado preferencial, o PFL, hoje DEM, fez 133; reunidos, os dois sócios da Aliança Democrática dominavam 80% da ANC. Os partidos de esquerda juntos tinham 9,5%. A ANC tinha 559 membros - 72 senadores (inclusive 23 biônicos remanescentes) e 487 deputados -, filiados a 12 partidos. Nela operaram 24 subcomissões, 8 comissões e uma Comissão de Sistematização de 93 membros, a arena da grande luta sustentada entre progressistas e conservadores. Foi a única vez na História que uma Constituição brasileira começou a ser feita coletivamente a partir do zero - todas as outras nasceram de propostas construídas por juristas notáveis. No começo dos trabalhos, em fevereiro de 1987, a esquerda - que tinha muitos aliados encastelados no PMDB - conseguiu impor seus interesses graças à eleição do deputado Mário Covas como líder da bancada do partido e à indicação do senador Fernando Henrique para redigir o regimento da Carta. Covas nomeou gente de esquerda para dirigir as comissões e subcomissões; Fernando Henrique elaborou um regimento que neutralizava a vantagem numérica da centro-direita. A Constituinte viveu um conflito permanente. Tendências contrárias tiveram de aprender a dialogar - nada, ali, foi aprovado sem minuciosa negociação. Foram recebidas 61 mil emendas de parlamentares e 122 emendas populares; houve 125 audiências públicas. Na fase final de aprovação do texto, foram 1.021 votações nominais, em dois turnos. Ao fim, nasceu a Constituição Cidadã, com 315 artigos, 946 incisos, 596 parágrafos, 203 alíneas, segundo conta feita pelo jurista Saulo Ramos. Medir qualidades na Carta que nasceu desse processo exige um bom exercício de memória. Vinte anos depois, por exemplo, os que acusam o delicado setor da saúde de ser caótico certamente não se lembram que antes de 1988 doentes sem carteira assinada eram rejeitados nos hospitais conveniados e filantrópicos. Mas os críticos têm razão, por exemplo, quando dizem que a Carta manietou a economia. Na década de 1990, uma faxina mudou o capítulo da ordem econômica para que o País começasse a funcionar. Todo o artigo 192 caiu. A Desvinculação das Receitas da União (DRU) foi criada para viabilizar a adoção do Plano Real; outras mudanças depuraram o espírito xenófobo para facilitar as privatizações. Outra crítica certeira diz respeito ao passivo jurídico da Constituinte. Na Carta, grande parte dos comandos não tinha eficácia própria e exigia a edição de 285 leis ordinárias e 41 leis complementares. Muitas nunca foram feitas. Desde 1989, foram aprovadas 62 emendas constitucionais. Hoje, mais de 1.500 emendas ainda tramitam no Congresso. http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac251796,0.htm Índice de todas as matérias sobre o especial: 20 anos da Constituição de 1988 http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac251796,0.htm Cidadania ampla para os filhos da Constituição. Aids Participação popular O lento caminho entre o dever no papel e o direito na prática Só no papel A desarmonia dos Poderes MP ainda testa os seus limites Acertos e erros da Constituição na visão do Supremo O desafio de garantir os direitos individuais Atuação teatral dos Poderes prejudica o País, diz Célio Borja Os presidentes e a Constituição: Luis Inácio Lula da Silva Os presidentes e a Constituição: Fernando Henrique Cardoso Os presidentes e a Constituição: Itamar Franco Os presidentes e a Constituição: Fernando Collor de Melo Os presidentes e a Constituição: José Sarney Para Sarney, Constituinte não viu o futuro chegando Emenda pirata evitou crise militar, revela Passarinho Ulysses, o Sr. Constituição, preparava adesão ao PSDB Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca 142 dispositivos à espera de regulamentação Comissão de Notáveis da Câmara fica no papel Carga tributária subiu de 24% para 35% do PIB em 20 anos Petróleo do pré-sal é a nova peça no xadrez institucional Reformas política e tributária à espera de consenso No Congresso, 1.575 projetos para mudar a Constituição Em 20 anos, 62 emendas A Constituição http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac251796,0.htm
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Política Há 20 anos, País recebia sua Constituição CidadãHá 20 anos, o Brasil recebia sua nova Constituição. Foram quase 19 meses de trabalho de 559 parlamentares (deputados e senadores), milhares de funcionários e a participação popular, quer na apresentação de sugestões para a elaboração da nova Carta Magna, quer nas lutas diárias por novas conquistas. O sonho da nova Constituição, de romper as regras estabelecidas no regime militar, teve início na campanha de Tancredo Neves para a Presidência da República. Tancredo sonhou com uma nova Constituição e prometeu fazê-la. Mas ele morreu sem ver seu sonho realizado. Coube ao seu sucessor, José Sarney, convocar a Constituinte e ao seu melhor amigo, Ulysses Guimarães, promulgar a nova Constituição brasileira, na tarde de 5 de outubro de 1988, exatamente às 15h54min. Sob o comando do Senhor Diretas, ou "o Grande Timoneiro" e presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães (PMDB/SP), a Constituição Cidadã, como ele a chamou, foi promulgada, quando ele pronunciou as palavras históricas: Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil. Para assinar a Carta Magna, que é a lei maior do País, Ulysses fez questão de usar, entre muitas canetas que lhe foram oferecidas, aquela que recebeu dos funcionários da Câmara dos Deputados, num reconhecimento ao apoio que recebeu deles e ao trabalho que realizaram sob a sua liderança. A nova Constituição nasceu como resposta às reivindicações da sociedade por mudanças estruturais no País, após o encerramento do ciclo de 20 anos de governos militares e a eleição do ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves para a presidência da República pelo Colégio Eleitoral, sua morte antes da posse e a substituição pelo vice José Sarney. Num discurso histórico, Ulysses consolidou o processo de retomada do Estado Democrático de Direito, iniciado dez anos antes, no governo do general Ernesto Geisel, com a chamada abertura lenta, gradual e segura do regime militar. Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada até por maioria mais acessível, dentro de cinco anos. Não é a Constituição perfeita, mas será útil e pioneira e desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria, afirmou Ulysses Guimarães ao apresentar a Constituição ao povo brasileiro. Instalada no dia 1 de fevereiro de 1987, a Assembléia Constituinte começou com uma disputa pela presidência, entre os deputados Ulysses Guimarães e Lysâneas Maciel (PDT/RJ), refletindo a divisão que iria marcar toda a sua trajetória, até a promulgação, entre as correntes de direita, centro-direita e esquerda polarizadas na Assembléia. Os centro-direitistas venceram e elegeram Ulysses, por 425 votos contra 69 e 28 em branco. Durante os 19 meses de trabalho da Constituinte, foram realizadas 341 seções e 1029 votações. A média de freqüência dos deputados e senadores nas votações foi de 70,68%. Nas seções, a média de freqüência atingiu 77,88%. Uma das grandes polêmicas no início dos trabalhos da Assembléia foi para decidir se um terço (27) dos 81 senadores que foram eleitos quatro anos antes da Constituinte deveriam ou não participar do processo de elaboração da nova Carta. No fim, eles também se tornaram constituintes, embora não tenham sido eleitos com essa finalidade. A derrota da campanha pelas Diretas-Já, que previa eleição pelo voto popular do presidente da República, em 1984, transferiu as expectativas populares das ruas para o Plenário da Câmara dos Deputados. O próprio Ulysses Guimarães traduziu esses anseios em seu discurso, ao afirmar que o texto constitucional era resultado do esforço dos parlamentares na consolidação de 61.020 emendas, além de 122 emendas de caráter popular, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas. Antes de serem iniciados os trabalhos da Assembléia nas nove comissões temáticas, os constituintes e populares tiveram um prazo para apresentarem sugestões para a elaboração da nova Constituição do Brasil. O texto promulgado teve um caráter peculiar: os constituintes partiram do zero para formular um modelo próprio de resgate dos direitos do cidadão. Daí a definição dada pelo próprio Ulysses Guimarães ao texto elaborado e aprovado pelos constituintes (deputados e senadores): Constituição Cidadã. http://jcrs.uol.com.br/noticias.aspx?pCodigoNoticia=10192&pCodigoArea=35
2/10/2008