Assédio moral no contexto da atual crise mundial.

Fonte Diretoria - DSPA
16 Mar 2009
Lighthouse

 

Assédio moral no contexto da atual crise mundial.

Por Ingrid Ruschel. Psicóloga Organizacional e Advogada.

 

Todos os trabalhadores ouvidos pelo mundo dizem que essa prática também é comum em seus países. Todos relataram como os casos de assédio estão presentes, no dia-a-dia de cada um, em áreas  públicas ou privadas.

Para muitos especialistas, suas causas podem ser relacionadas à organização do trabalho baseada em relações hierárquicas e não democráticas.

O assédio moral  tem sido debatido em todas as esferas, contextos, instituições, organizações e países,  com vimos em nosso seminário ocorrido, em 2008, na sede da Delegacia do Unafisco Sindical em POA.

Para muitos, o assédio já deixou de ser um tema de trabalho para ser um tema de saúde, político, jurídico e social, pois o trabalho é o que nos mantêm vivos enquanto espécie humana, o que alguns, dedicados à área, têm chamado de sobrenome empresarial; é o que vincula as pessoas às suas comunidades, o que dignifica, o que possibilita conquistas e sucessos. Por isso não podemos aceitar naturalmente que o assédio moral continue deixando pessoas, instituições, organizações e países, com tais práticas,  doentes.

Essa prática cruel, antiga e sistemática, semelhante na sua essência, diferente em seus objetivos, vem aterrorizando, cada vez mais, nossos trabalhadores, nossas vidas profissionais.

Na iniciativa privada, o trabalhador é demitido; no serviço público, ele muitas vezes convive com o problema, por anos, ou é transferido para lugares distantes, setores incompatíveis ou se cria o estigma de “pessoa-problema”. Muitos servidores apontam, como causa e estimulo  para o assédio, os critérios utilizados para a distribuição das funções, cargos, chefias e comissionamentos, a falta de um plano de carreira. O que cada vez mais tem preocupado a quem se dedica ao estudo do assédio moral, é que a crise econômica atual possa ampliar os casos de assédio moral no trabalho. ( já tão grande na maioria dos países).

De acordo com os estudiosos do tema, só a organização e a solidariedade não serão suficientes para conter a sua proliferação, porém é unânime que a prática só acabará quando as relações de trabalho entre os seres humanos não forem baseadas em sistemas de  exploração.

Mas como mudar  esses  modos de relação, já que é essa a  realidade? E é  sabidamente  agravada em tempos de crise econômica, de precariedade e do medo do desemprego. Há largas dezenas de milhares de falsos acordos de cessação de contrato que, na realidade, são desligamentos que muitas vezes são precedidos de assédio moral. É um meio de pressão, chantagem e desestabilização. É, na verdade, um "método maquiavélico", dizem os “defensores” de suas práticas.        

 

 

Para  muitos operadores do  direito,  assédio já deveria ser tipificado como  crime, para outros não.  Muitos defendem  que  o assédio moral no trabalho não é um fato isolado qualquer, resumidamente, ele se baseia na repetição, ao longo do tempo, de práticas vexatórias e constrangedoras, explicitando a degradação deliberada das condições de trabalho num inegável contexto de desemprego e aumento da pobreza urbana.

Inúmeros são os exemplos de casos de assédio moral no trabalho, tais como: ameaça constante de demissão, preconceito contra trabalhadores doentes ou acidentados, constrangimento e humilhação pública, autoritarismo e intolerância de gerências e chefias, imposição de jornadas extras de trabalho, espionagem e vigilância de trabalhadores, desmoralização e menosprezo de trabalhadores, assédio sexual, isolamento e segregação de trabalhadores por parte de gerências e chefias, desvios de função, insultos e grosserias de superiores, demissões por telefone, telegrama ou por e-mail, perseguição através da não promoção, calúnias e inverdades dissimuladas no ambiente de trabalho por chefias, negação por parte da empresa de laudos médicos ou comunicações de acidente, estímulo por parte da empresa à competitividade e ao individualismo, omissão de informações sobre direitos do trabalhador e riscos de sua atividade, discriminação salarial segundo sexo e etnia, ameaça a sindicalizados, punição aos que recorrem à Justiça.

O que precisa ser “apreendido” é que  um ambiente de trabalho saudável é uma conquista diária possível, na medida em que haja vigilância constante, sempre objetivando condições de trabalho dignas, baseadas no respeito  ao outro,  no incentivo à criatividade, na cooperação.

Nesta seara, acreditamos que a batalha, para conquistar e muitas vezes recuperar a dignidade, a identidade, o respeito no trabalho e a auto-estima, deve passar ainda pela organização de forma coletiva, a qual pode ser assegurada pelos sindicatos, por comissões  ou núcleos, sejam de saúde, de direitos humanos ou de combate à discriminação. Essas organizações devem zelar pela aplicação do texto constitucional estampado nos artigos 5º e 7º, inciso XXX, da Constituição Federal que estabelece a proteção ao direito à intimidade, dignidade, igualdade, honra e vida privada.

Em que pese, tal norma já alcançou o Direito Civil, quando a Súmula 341, editada pelo Supremo Tribunal Federal dispõe que "é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".

Não resta ainda regulamentado o assédio moral como crime. Está em tramitação, na Câmara dos Deputados, projeto de lei de autoria do então deputado Marcos de Jesus (PL-PE), pela proposição 4.742 de 2001, que tipifica o chamado assédio moral como crime enquadrando-o no Código Penal brasileiro no artigo 146 - A. Pelo dispositivo, a pena para quem assediar trabalhador em posição hierárquica inferior, poderá ir do pagamento de multa à detenção, de três meses a um ano. Esse projeto  aguarda análise desde o dia 2/8/07.

Porém é necessário que se diga, quem humilha ou inferioriza, poderá ser punido, pois poderá ser enquadrado na prática de crime de calúnia e difamação, previsto nos artigos 138 e 139 do Código Penal, além de correr o risco de indenizar o trabalhador prejudicado por dano material, moral e à imagem.

Tolerar infratores em potencial não é aceitável em pleno século XXI, todavia se exige a formação de uma “consciência coletiva”, de uma atuação multidisciplinar, de uma visão holística do ser humano; uma visão que envolva diferentes profissionais com as mais diversas áreas de formação e atribuição, sejam eles sindicalistas, advogados, médicos do trabalho, profissionais de saúde, sociólogos, antropólogos e grupos de reflexão sobre o assédio moral. Esses sim são os passos iniciais para conquistarmos um ambiente de trabalho saneado de riscos e violências e que seja sinônimo de cidadania.

Como fazer isso então em tempos de crise, com centenas de acordos de  propostas de "redução do custo do trabalho", como resposta aos efeitos da crise financeira mundial? Para a maioria dos defensores de direitos sociais, esses acordos  são "oportunistas e descomprometidos com os interesses nacionais".

Centenas de profissionais ligados ao Direito, entre eles estudantes, professores, advogados, auditores fiscais, procuradores e juízes, assinaram um manifesto em janeiro de 2009, condenando as tentativas de flexibilização da legislação trabalhista.

 

O documento público intitulado "Contra oportunismos e em defesa do direito social" vai de encontro às propostas de mudança de normas defendidas pelo empresariado como saída para driblar os efeitos da atual crise financeira global. Segundo o referido manifesto, nos últimos meses, o Brasil vem assistindo a demissões, em massa, por parte de grandes empresas dos mais diversos setores produtivos ou a diminuição da jornada de trabalho com redução de salário, como forma de aliviar o caixa, e que, mesmo assim, não haveria garantia de manutenção dos empregos.  Muitas delas  pilares de sustentação econômica do Estado.

Um desses setores, a indústria automobilística, bateu recorde de vendas e de faturamento em 2008, refere o manifesto.

Jorge Souto Maior, juiz da 3ª Vara o Trabalho de Jundiaí e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), um dos idealizadores do manifesto, defende que a flexibilização da legislação do trabalho, como forma de combate à crise, é uma postura “totalmente injustificada” e que essa tática de gerar pânico, para obtenção de vantagem, atenta contra a ordem econômica, nos termos da Lei 8.884/94, podendo até mesmo ser considerada um crime de lesa-pátria, ou, por que não, uma “grande e formalizada forma de assédio moral” contra trabalhadores acuados e humilhados, sem poder de “barganha”.

Afinal, todas as avaliações sobre as causas da presente crise são unânimes em dizer que sua origem está ligada à desregulamentação do mercado financeiro, ou, em palavras mais claras, à não imposição de limites às possibilidades de ganho a partir da especulação.

Se o assédio tem sua origem na relação de exploração, a especulação não seria uma forma de se concretizá-lo?

É fato que, sem uma razão específica, usar a crise é imoral, ilegal,  diz o manifesto.

As ameaças de dispensas coletivas - que ademais atentam contra a ordem jurídica, por ferirem o disposto no inciso I, do artigo 7º, da Constituição Federal (CF) - proferidas por algumas grandes empresas, apresentam-se, no geral, como mera estratégia de pressão, de natureza política, para extraírem vantagens econômicas, a partir do temor e da insegurança gerada sobre os trabalhadores, ainda mais considerando os reiterados noticiários sobre a crise. Em tempos de crise, sempre se propugnam soluções das mais diversas – dentre essas - medidas de flexibilização, uma espécie de panacéia para todos os males, inclusive para o desemprego.

A diminuição da proteção do trabalhador, por incentivo a essas  novas regras,  implicam no aumento das desigualdades sociais existentes e, dentre essas, as  práticas de assédio certamente estarão ampliadas antes mesmo de promover a  inserção dos trabalhadores no mundo competitivo. Ao invés de ganharmos em cidadania e solidariedade, tornaremos definitivas - como é o costume no Brasil – novas formas de deterioração dos direitos sociais. Finalmente, quando são buscadas novas regulamentações, há que afastar o frágil argumento de que as leis e regulamentações devem acompanhar as mudanças sociais, vemos crescer no mundo contemporâneo, cada dia mais, casos e estudos sobre práticas de assédio, doenças ocupacionais, suicídios relacionados com as pressões do trabalho e o discurso falacioso de crescimento econômico. Na prática, o que se pode observar é um desenvolvimento incompatível com as necessidades dos homens ou de seus  países. Ora, afirmam os estudiosos que a economia busca minimizar suas perdas, a partir de práticas de redução de custos, essas cada vez menos humanizadoras, na mesma lógica a perspectiva é de que o trabalho tende a ser tratado, cada vez mais, como mero objeto e o sujeito que o presta transformar-se em mercadoria. Assédio é hoje um tema mundial que trata da relação humana, dignidade e cidadania; de direito coletivo e de direitos sociais, logo combater o assédio moral  é preservar a dignidade da pessoa humana em todos os seus aspectos.

 

O tema hoje  é de interesse universal; devemos, portanto, combatê-lo como um vírus, uma praga, uma epidemia, sem esquecer que a doença é coletiva, embora o sofrimento seja individual. Não podemos resignar-nos; ignorá-lo. Enquanto os efeitos do assédio moral continuarem sendo apenas individuais – sentidos por aqueles que o sofrem, por aqueles que o assistem  e por aqueles que compartilham a dor – estaremos distante da consciência coletiva necessária à sua erradicação. 

 

Ingrid Ruschel – psicóloga organizacional e advogada.