ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO.
Em um mundo cada vez mais competitivo e restrito quando se examina a possibilidade de acesso ao mercado de trabalho, no ambiente laboral por vezes ocorrem práticas que atentam contra direitos dos trabalhadores. Uma destas práticas é o assédio moral.
Embora não seja de fato uma figura nova no âmbito das relações de trabalho, não é de longa data adequadamente estudado o assédio moral no ambiente de trabalho. Por equívoco ou deficiente orientação, ou ainda intencionalmente, acreditando no incremento dos lucros e no controle que pode ser exercido mais facilmente em um ambiente de trabalho dominado pelo temor, alguns empregadores não reprimem, e às vezes abertamente incentivam práticas que hoje são facilmente identificadas como assédio. Nesse caldo foi forjado um conjunto de situações ora definidas como “estratégia” de motivação, ora como “simples” brincadeiras.
Uma das grandes doutrinadoras na matéria, a psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta da família Marie-France Hirigoyen, em sua obra “Assédio moral: a violência perversa no cotidiano” (Editora Bertrand Brasil, 3ª Ed. – Rio de Janeiro, 2002, p. 65), apresenta valiosa lição, sendo de todo desejável uma convergência de entendimento entre operadores do direito e demais profissionais envolvidos no gerenciamento de recursos humanos:
“por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degrada o ambiente de trabalho.
Essa guerra psicológica no local de trabalho agrega dois fenômenos: - o abuso do poder, que é rapidamente desmascarado e não é necessariamente aceito pelos empregados; - a manipulação perversa, que se instala de forma mais insidiosa e que, no entanto, causa devastações muito maiores.
O assédio nasce como algo inofensivo e propaga-se insidiosamente. Em um primeiro momento, as pessoas envolvidas não querem mostrar-se ofendidas e levam na brincadeira desavenças e maus-tratos. Em seguida, esses ataques vão se multiplicando e a vítima é seguidamente acuada, posta em situação de inferioridade, submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior.
Não se morre diretamente de todas as agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto, humilhado e deprimido. E é difícil recuperar-se.
...
É a repetição dos vexames, das humilhações, sem qualquer esforço para abrandá-las, que torna o fenômeno destruidor”.
No plano prático, o assédio moral caracteriza-se, dentre outras, pela presença de uma ou mais das seguintes características:
a)Determinar o cumprimento de tarefas estranhas à função, impossíveis, ou em condições e prazos inexeqüíveis;
b)Designar para a realização de funções triviais (serviços gerais, servir cafezinhos, efetuar cópias, arquivar documentos etc) o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais se exijam conhecimentos e/ou treinamentos específicos;
c)Isolar a vítima, deixando-a sem comunicação com os demais colegas;
d)Impedir a vítima de se expressar, restringindo-lhe o exercício do direito de livre opinião e manifestação das idéias;
e)Tratar a vítima com rigor excessivo, de modo desrespeitoso ou irônico;
f)Ridicularizar ou inferiorizar a vítima diante dos outros
g)Utilizar-se de palavras, gestos e atitudes que impliquem em desprezo ou humilhação à vítima;
h)Criticar ou fazer comentários que subestimem os esforços ou a capacidade da vítima;
i)Controlar o tempo ou a quantidade de vezes para uso do banheiro;
j)Exercer vigilância acentuada e constante, especificamente sobre a vítima, no ambiente de trabalho;
k)Divulgar boatos, comentários maliciosos, atos imorais ou criminosos atribuídos, falsamente, à vítima, que atinjam a sua honra e dignidade;
l)Transferir, injustificadamente, o local de trabalho, o turno ou horário, bem como a função da vítima, com o propósito de causar-lhe prejuízo, ocorrendo, geralmente, quando esta retorna ao trabalho após licença;
m)Não atribuir tarefas ao empregado, obrigando-o a permanecer ocioso;
n)Retirar os instrumentos de trabalho, sonegar informações indispensáveis ao desempenho das funções ou dificultar, por qualquer forma, a realização pela vítima de suas atividades;
o)Perseguir o trabalhador que moveu ação trabalhista - quando ele não é sumariamente despedido - através de condutas como preterição em promoções, rebaixamento de funções;
p)Praticar atos humilhantes antecedendo a despedida, tais como trancar a sala onde trabalha o empregado, esvaziar as gavetas da mesa, fazer circular ou afixar documentos com repreensão pública;
q)Determinar que o trabalhador exerça suas atividades em salas mal iluminadas, espaço exíguo ou com péssimas instalações;
r)Ameaçar constantemente de despedida, ou de prática de algum mal ao trabalhador ou a sua família;
s)Colocar em dúvida, reiteradamente e injustificadamente, o trabalho ou a capacidade do trabalhador;
t)Tecer comentários maldosos e injuriosos sobre condições familiares, sociais, cor, raça, origem, características ou preferência sexual do trabalhador;
u)Expor ao ridículo, através da imposição de utilização de fantasias, pagamento de prendas, entregas de “prêmios”, inclusão do nome da vítima em lista de empregados incompetentes, ou de menor produtividade etc;
O assédio moral muitas vezes é sutil (já que a agressão aberta permite o revide e desmascara a estratégia traiçoeira), sendo, assim, praticado através de comunicação não verbal (olhares de desprezo, suspiros, dar de ombros e silêncio). Há, também, preferência por condutas como zombaria, fofoca, ironia e sarcasmo, de mais fácil negação em caso de reação do ofendido (“foi só uma brincadeira”, “não é nada disso, você entendeu mal”, “a senhora está vendo e/ou ouvindo coisas”, “não fiz nada demais, ele (ela) é que é muito sensível”).
São as seguintes as condutas que ocorrem com maior freqüência: gestos, humilhações, atitudes para inferiorizar, amedrontar, menosprezar, desprezar, ironizar, difamar, caluniar, ridicularizar. Ainda, risinhos, suspiros, piadas jocosas relacionadas ao sexo ou a alguma característica ou condição da vítima, ser indiferente à presença dela, estigmatizar, colocá-la em situações vexatórias, falar baixinho acerca dela, olhar e fingir que ela não é vista, ignorar a sua presença, rir daquela que apresenta dificuldade, não cumprimentar, sugerir que peça demissão, dar tarefa sem sentido ou inútil, dirigir-se através de terceiros, tornar público algo íntimo da vítima.
Por outro lado, é importante mencionar figuras/hipóteses que podem afastar a ocorrência do assédio moral:
a)Atos praticados pelo empregador no regular exercício do seu poder de comando. Nos termos da legislação do trabalho, o empregador admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços do empregado, podendo fiscalizar e manter a disciplina no ambiente de trabalho. Neste passo, presentes os requisitos, pode aplicar penalidades, que vão da advertência à dispensa por justa causa.
b)Qualquer descontrole comportamental do ofensor, pois os humanos são passíveis de erros e descontroles. Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade auxiliarão na distinção entre tais condutas e o assédio moral, que se reveste de maior gravidade exatamente pela intenção deliberada de humilhar, constranger, prejudicar a vítima.
c)Também não configura assédio moral no trabalho “manifestações paranóicas de indivíduos que se sentem perseguidos por todos e por qualquer coisa, ou espíritos anormalmente melindrosos que se ofendem ante o mais inocente gracejo ou a observação mais irrelevante. Também não se configurará como assédio a(s) censura(s) ou advertência(s) efetuada(s) diante de uma inobservância aos deveres impostos ao trabalho, concretizadas de forma reservada e respeitosa.”[1]
d)Igualmente, não caracterizam assédio moral fato isolado, indisposição pontual, mal-entendido, o que freqüentemente pode ocorre nas relações interpessoais.
Para além da base doutrinária, releva mencionar a situação no plano legislativo. Na esfera federal a matéria pende de adequada definição. Tramitam, atualmente, diversos projetos no Congresso Nacional. No plano estadual, dentre outras normativas, registra-se a Lei Estadual do Rio de Janeiro de nº 3.921, de 21 de agosto de 2002, que descreve condutas de assédio, condutas estas englobadas no rol acima apresentado. No Estado do Rio Grande do Sul veio à luz a Lei Complementar nº 12.561, de 12 de julho de 2006, de autoria do Deputado Ruy Pauletti, que não diverge em essência do diploma carioca, a qual foi sancionada com veto pelo Exmo. Governador do Estado. O veto veio a ser derrubado, mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - TJRS acolheu ação de inconstitucionalidade, sob a tese do vício de origem[2].
A menção ao diploma gaúcho se mostra de valia por propiciar o exame das razões do veto, que contemplou os artigos 2º (definição de assédio), 3º (que estabelece as sanções), 4º (que trata da iniciativa do processo para apuração), 5º e 6º. Veja-se o seguinte trecho da justificativa do veto “Com efeito, os dispositivos ora vetados, conforme estão dispondo, acarretam um detalhamento de tarefa incompatíveis com os modernos métodos de trabalho, que privilegiam o espírito de equipe, ensejando desequilíbrio, desconforto e constrangimento nas relações de trabalho no âmbito público”. Adiante, consta que o artigo 2º prevê “situações de difícil aferimento pelo administrador, termos de larga abrangência conceitual, tais como auto-estima, integridade psicofísica”. Digno de menção, ainda, o seguinte trecho do veto, à guisa de grande final: “em seu parágrafo único são elencadas situações em que se configuram assédio moral, que, note-se, em nada podem gerar ofensa à dignidade do servidor ou diminuí-lo como cidadão” (repetir os incisos).
Para permitir uma exata compreensão do que foi considerado um detalhamento incompatível com modernos métodos de trabalho, e situações que em nada podem gerar ofensa à dignidade do trabalhador ou diminuí-lo como cidadão, segue reprodução do parágrafo 2º ao artigo 2º da Lei Complementar nº 12.561/2006 do Estado do Rio Grande do Sul[3]:
"Art. 2º (...)
Parágrafo único. Evidencia-se o assédio moral a servidor público quando:
I - forem-lhe impostas atribuições e atividades incompatíveis com o cargo que ocupa ou em condições e prazos inexeqüíveis;
II - for ele designado para exercer funções triviais, em detrimento de sua formação técnica;
III - forem-lhe tomadas, por outrem, propostas, idéias ou projetos de sua autoria;
IV - forem-lhe sonegadas informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções;
V - forem contra ele praticadas ações, gestos ou palavras que denunciem desprezo ou humilhação, isolando-o de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores; e
VI - forem-lhe dirigidos comentários maliciosos, críticas reiteradas sem fundamento, ou houver a subestimação de esforços que atinjam a sua dignidade."
Fácil perceber, assim, o longo caminho a ser trilhado em matéria de combate ao assédio moral nas relações de trabalho.
Finalizando este breve apanhado, importa marcar que os mais diversos segmentos da sociedade envolvidos no gerenciamento de recursos humanos podem (e devem) contribuir para evitar e erradicar toda e qualquer forma assédio no ambiente de trabalho. Em primeiro lugar não adotando ou tolerando qualquer prática, técnica ou instrumento que favoreça à discriminação. Em segundo lugar, orientando o empregador e amparando o trabalhador a superar o trauma sofrido.
Fevereiro de 2009.