Editorial - A obscura história do crédito-prêmio

Fonte Valor Econômico
20 Jul 2009

Os senadores conceberam, com o conhecimento do governo, e aprovaram a emenda nº 5 ao projeto de conversão da Medida Provisória 460, estendendo a vigência do crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para até dezembro de 2002. Uma conta estimada pela Receita Federal em R$ 288 bilhões ou, segundo cálculos da indústria, em R$ 70 bilhões. Qualquer que seja a cifra, ela é impressionante.

 

A iniciativa extemporânea do Senado, que contou com o empenho da senadora do PT, Ideli Salvatti PT (SC), e da relatora, senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), foi uma resposta à preocupação do governo em encontrar formas de compensar as empresas exportadoras que, desde a crise de 2008, estariam enfrentando escassez de crédito externo. Foram várias as conversas com a área econômica e com empresários até a aprovação da emenda, por unanimidade, no dia 7. Só então as luzes amarelas se acenderam no Ministério da Fazenda, que divulgou nos últimos dias duas notas oficiais condenando a decisão.

 

A história da disputa judicial em torno desse benefício, criado em 1969 para acabar em 1983, é longa e cheia de meandros. Livros foram escritos, advogados cresceram na profissão na esteira desse caso e muito dinheiro foi movimentado em honorários e pareceres.

 

Na raiz do debate estava a constitucionalidade da delegação de competência ao ministro da Fazenda, nos anos 80, mediante decreto lei, para "reduzir, aumentar ou extinguir" o incentivo. Em 2001 o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o decreto-lei era inconstitucional. Nova batalha iniciou-se, então, para definir até quando o crédito-prêmio do IPI estaria em vigor.

 

Duas datas estão em consideração: 1983 ou 1990, dois anos após a Constituição de 1988 que, nas suas disposições transitórias, deu esse prazo para a renovação dos incentivos fiscais setoriais. Aí entra uma outra questão sobre se os estímulos às exportações são setoriais ou globais. Os primeiros julgamentos o Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicaram o ano de 1990. Em dois votos já proferidos pelo STF, a data seria 1983. O Senado aprovou o ano de 2002, embora este nunca tivesse aparecido nas disputas judiciais.

 

Ao atropelar o Judiciário e chamar para si a solução de um caso que se apresenta como o maior esqueleto já surgido na história das contas públicas, o Senado deixa muitas dúvidas sobre o processo e uma conta espetacular para o contribuinte. Não se trata de um acerto patrimonial, na medida em que os créditos acumulados até 2002 pelas empresas exportadoras poderão ser usados para quitar qualquer débito fiscal. Uma decisão que pode afetar, portanto, o fluxo futuro da arrecadação de impostos.

 

Diante da dimensão do problema e mesmo de desconfianças sobre a própria legalidade da emenda - que deveria ser objeto de lei específica e não entrar de contrabando numa MP que trata de outros assuntos - é recomendável que a Câmara dos Deputados, que deverá votar a MP 460 em agosto, derrube o dispositivo, caso contrário o presidente Lula acabará tendo que vetá-lo.

 

O caminho que a demanda das empresas exportadoras vem seguindo há anos é o do Judiciário e não há razão para a solução não sair de lá.

 

Um exemplo que poderia inspirar governo e empresários - dado que ambas as partes alegam que uma decisão final do STF, seja qual for, prejudicaria sobremaneira a parte vencida - é o caso da meganegociação para o pagamento da correção monetária devida pelos planos de estabilização sobre o saldos das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

 

Essa foi uma negociação transparente que envolveu uma dívida de R$ 42 bilhões com os trabalhadores, reconhecida por acórdão do STF, que garantiu uma correção de 68,9% sobre o saldo das contas do Fundo de Garantia. O acordo foi formalizado à luz do dia entre o governo e os trabalhadores, através da lei complementar 110, e em 2001 foi julgado e aprovado pelo STF. E o pagamento da correção relativa aos planos Verão e Collor foi parcelado.